Nova ordem jurídica para as parcerias entre o poder público e a sociedade civil organizada – Parte I

Não poderia iniciar uma primeira reflexão sobre o novo ordenamento jurídico de repasse voluntário de recursos públicos para as organizações da sociedade civil sem reiterar a afirmação que tem sido nosso mantra ao longo destes anos de luta para conquistar o direito ao reconhecimento, qual seja, a nova lei trata, exclusivamente, do controle sobre o repasse e a aplicação de recursos públicos e não sobre a organização e funcionamento das OSCs. Não abrimos mão do sagrado direito constitucional de livre e autônomo direito de associação, sem interferência do estado. Esta é uma cláusula pétrea da Constituição e um dos fundamento da democracia brasileira.

Dito isso, a aprovação pelo Congresso Nacional e a sanção pela Presidenta Dilma da Lei Federal 13.019/2014 é realmente um novo marco na relação entre o estado e as organizações sociais brasileiras. Não é possível afirmar que seja uma nova ordem jurídica porque, a bem da verdade, não havia nenhuma legislação que definisse claramente qual a forma de repasse voluntário de recursos públicos para organizações de interesse social que não fossem do próprio aparelho do estado.

Apesar da ausência de norma e, principalmente, após a implantação das ideias neoliberais do estado mínimo, cada vez mais as organizações sociais foram sendo demandas para cumprir funções e tarefas antes de exclusividade do estado. Sem norma jurídica clara, entrou-se em um período muito difícil onde, ao bel prazer do fiscal de plantão, eram estabelecidas interpretações e analogias a normas correlatas muitas vezes com o único intuito de acusar, condenar e punir. É o que denominamos de criminalização das organizações e movimentos sociais.

Este cenário que estava sufocando e até mesmo sendo responsável pelo fechamento de dezenas de OSCs irá mudar com a entrada em vigência da Lei Federal 13.019/2014 porque esta nova norma estabelece, de forma especifica, quais as formas e os procedimentos para que o estado brasileiro estabeleça parcerias com as organizações sociais.

Mais que isso, a nova lei reconhece o papel das OSCs no fortalecimento da democracia e defini como sendo função do estado o apoio de sua atuação através dos termos de fomento. Reconhece, também, a expertise das organizações da sociedade civil em temas que muitas vezes o estado não tem capacidade técnica e nem mesmo pessoal especializado e, nestes casos, cria a figura do termo de colaboração.

Em qualquer uma das hipóteses, o centro do controle público é sobre os resultados concretos da ação e dos projetos. Sem se descuidar da necessária formalização dos atos administrativos, do devido rigorismo com a aplicação dos recursos públicos, do controle das ações e das prestações de contas, o importante é que as parcerias entre o estado brasileiro e as organizações sociais sejam baseadas na busca do atendimento dos direitos das pessoas mais vulneráveis.

Impessoalidade, transparência, publicidade, moralidade, economicidade, eficiência e eficácia são princípios da gestão pública que também fazem parte da nova norma, sem no entanto, fazer perder o sentido principal que são os resultados desejados.

Na reta final para sua vigência, o Governo Federal está realizando uma consulta pública sobre os termos do decreto de regulamentação. No RS, a FAMURS, o TCE, a Abong e o Governo Estadual através da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos constituíram um Grupo de Trabalho para buscar unificar a compreensão dos novos termos para cada um dos entes federados e, principalmente, somar esforços no processo de capacitação e formação tanto dos agentes públicos como dos gestores da organizações sociais.

Após décadas de luta espera-se que, assim como ocorreu após a obrigatoriedade de concurso para suprimento de cargos públicos e de licitações para a compra de bens e a contratação de serviços, o marco regulatório de acesso a recursos públicos pelas OSCs venha a abrir uma nova era na relação entre o público e a sociedade onde saia vencedor o bem comum.

Por: Mauri Cruz, advogado socioambiental com especialização em direitos humanos, professor de pós graduação em direito à cidade e Mobilidade urbana e diretor regional da AbongRS.

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