O evento climático de chuvas intensas que ocorreu a partir de 24 de abril de 2024 no RS é considerado o maior ocorrido no Brasil nos últimos anos, afetando, segundo a Defesa Civil do estado, 478 municípios gaúchos por inundações, quedas de barreiras, deslizamentos de terra etc. Cerca de 2,4 milhões de pessoas foram afetadas pelos efeitos das chuvas nas regiões Central, dos Vales, Serra e Metropolitana de Porto Alegre, sendo que mais de 442 mil moradores tiveram que deixar suas residências, onde cerca de 18 mil foram para abrigos e 423 mil ficaram desalojados. Milhares de famílias perderam tudo e com isso a capacidade de preparar e adquirir alimentos. Nesse contexto de catástrofe a Insegurança Alimentar e Nutricional tornou-se um dos maiores problemas a ser enfrentado.
Frente a esta urgência, as Cozinhas Solidárias surgiram e se ampliaram de todas as maneiras e onde era possível, para garantir o mínimo necessário para alimentar as populações afetadas. Estas cozinhas foram organizadas por agentes locais, voluntários, moradores, comunidades, movimentos sociais e funcionaram, muitas vezes, de forma bastante precária como pontos de preparo e distribuição de alimentos além de pontos de doações de mantimentos, roupas, água etc.
De início as doações chegavam em abundância de todos os lugares do estado e do país (onde havia acesso as cidades e comunidades), cestas básicas e alimentos não perecíveis. Mas, a falta de proteínas e alimentos in natura era outra grande questão a ser resolvida além da falta de estrutura para o preparo adequado dos alimentos. Isso comprometeu a qualidade e a quantidade de uma alimentação minimamente balanceada, traduzida muitas vezes em um uma única refeição por dia.
Então, através da parceria com o Ministério de Desenvolvimento Social, o CAMP veio a apoiar algumas cozinhas emergenciais e solidárias, que já estavam atuando no período da calamidade. Foi possível então adquirir mais gêneros alimentícios, incluindo proteicas, frutas, verduras e legumes, além de insumos, equipamentos e pessoal. As cozinhas puderam se estruturar minimamente para a produção e distribuição das refeições, oferecendo uma melhor qualidade e equilíbrio às refeições.
No total foram 8 as cozinhas apoiadas, distribuídas em 5 municípios: Porto Alegre, Canoas, Viamão, Alvorada e Eldorado do Sul. Ao todo, nestes 3 meses foram distribuídas 363.060 marmitas financiadas pelo projeto.
Todas essas cozinhas contavam também com a ajuda imprescindível de voluntários, tanto na confecção, envasamento e distribuição das marmitas. Em vários desses locais atendidos já havia uma insegurança alimentar antes das enchentes, mas isso tudo se agravou de maneira muito acentuada. Comunidades periféricas que não foram atingidas diretamente pelas enchentes receberam muitos desabrigados. Também as escolas onde as crianças estudavam e recebiam uma refeição diária, deixaram de funcionar por semanas, agravando ainda mais o quadro de fome.
As Cozinhas Solidárias também serviram como ponto de encontro, escuta e formação, principalmente de mulheres vítimas desta tragédia. Grupos se reuniram uma vez por semana para ouvir as pessoas atingidas, um espaço de troca e escuta das suas tristezas e angústias. Este espaço passou a se tornar um ponto de acolhimento e “apoio psicológico” para muito além da fome.
Também destacamos a função pedagógica que as cozinhas desempenharam sobre os resíduos gerados das marmitas e de alternativas possíveis como, trazer a sua própria panela ou vasilhame (caso tivesse) para levar a comida. Também reflexões sobre o que é alimentação de verdade, segurança alimentar, direitos humanos etc.
Ao término do projeto algumas cozinhas pretendem continuar através das doações do PAA e de outros e de cobrança de uma pequena taxa (valor simbólico) para comprar as proteínas. Sabemos que os desafios são gigantes e a fome não espera.
Texto: Luiza Schäfer
