Lançado nesta quarta-feira (7/4), o documento analisa os gastos federais de 2020, tanto com despesas extraordinárias para enfrentar as consequências da pandemia da Covid-19 quanto com políticas públicas das áreas de Saúde, Educação, Meio Ambiente e Direito à Cidade. O estudo também analisa a gestão dos recursos destinados a políticas que atendem grupos intensamente afetados pela crise, como mulheres, indígenas, quilombolas, crianças e adolescentes.
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O Instituto conclui que a não execução da totalidade dos R$ 604,7 bilhões destinados a combater a pandemia contribuiu para que o país fechasse o ano com 200 mil mortos pelo vírus e com taxa de desemprego recorde, atingindo 13,4 milhões de pessoas. “Na situação de emergência e calamidade que o Brasil se encontrava em 2020, o governo tinha a obrigação de gastar o máximo de recursos disponíveis para proteger a população. Mas o que vimos foi sabotagem, ineficiência e morosidade no financiamento de políticas públicas essenciais para sobreviver à crise”, constatou Livi Gerbase, assessora política do Inesc.
Sobraram R$ 29 bi do Auxílio Emergencial
Mais da metade do orçamento exclusivo para o enfrentamento à pandemia (53,2%) foi destinado ao Auxílio Emergencial em 2020, programa que forneceu cinco parcelas de R$ 600 a 66,2 milhões de brasileiros. A despeito do agravamento da crise, o benefício foi cortado pela metade e, posteriormente, suspenso – deixando um saldo R$ 28,9 bilhões nos cofres públicos.
Estimativa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que da suspensão do benefício, em agosto de 2020, até janeiro de 2021, 18 milhões de pessoas passaram a viver em situação de extrema pobreza. “A suspensão do programa é injustificável diante do tamanho da crise que se abateu sobre o Brasil em 2020. O valor que sobrou poderia ter mantido praticamente todos os 66 milhões de beneficiários iniciais, evitando o expressivo aumento da fome e das desigualdades sociais”, estimou Livi Gerbase.
Lentidão nos gastos com Saúde
Após quatro meses da declaração de emergência nacional por parte do governo, o Inesc apontou que apenas 40,1% do valor planejado no orçamento do governo federal para combater a pandemia da Covid-19 tinham sido executados. Na avaliação do Instituto, a pressão da sociedade fez com que a execução aumentasse no final do ano, mas não foi suficiente para evitar o colapso na Saúde. “A deliberada ineficiência ministerial associada à total ausência de coordenação do SUS por parte do nível central resultaram no aprofundamento da crise sanitária e no expressivo aumento de número de mortes”, concluiu a especialista em orçamento público do Inesc.
Os gastos com Saúde totalizaram R$ 42,7 bilhões, além dos R$ 10 bilhões distribuídos no âmbito do Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus. O atraso na liberação de recursos foi notado em julho de 2020 por relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que apontou que o Ministério da Saúde havia gasto apenas 29% da verba prevista para combater o novo coronavírus desde março.
A lentidão na compra de vacinas contra o vírus Sars-CoV-2 também foi flagrante em 2020. Apenas em dezembro, pressionado pela população, o governo emitiu medida provisória reservando R$ 20 bilhões para aquisição dos imunizantes em 2021.
Além da Covid-19
Enquanto as atenções estavam voltadas para os créditos extraordinários destinados ao combate à Covid-19, o estudo do Inesc mostrou que o orçamento de políticas públicas essenciais seguiu a tendência de corte dos últimos anos, acurralado pelas regras fiscais vigentes, sobretudo, a de Teto de Gastos.
Os gastos com a função Saúde, por exemplo, caíram 6% em 2020, em comparação com 2019, se forem retirados os recursos extras destinados ao enfrentamento da Covid-19. Foram R$ 7 bilhões a menos para um setor que sofre uma histórica insuficiência de recursos. Outro exemplo foi a área de Educação que, além de não ter recebido nenhum recurso adicional em decorrência da pandemia, também teve R$ 7 bilhões a menos de execução financeira do que em 2019 – mesmo diante de um cenário que exigia medidas efetivas e inovadoras para garantir condições de ensino em meio à pandemia.
Entre as medidas propostas pelo Inesc diante da recessão que promete se agravar em 2021, estão:
- Decretar o Estado de Calamidade Pública e voltar a implementar um Orçamento de Guerra para facilitar e agilizar os gastos para o enfrentamento da pandemia.
- Retomar o Auxílio Emergencial de R$ 600 até o fim da pandemia.
- Estabelecer, para 2021, um piso emergencial para a saúde de R$ 168,7 bilhões.
- Revogar a Emenda Constitucional 95 de 2016 (Teto de Gastos)
Mais exemplos de programas sociais que sofreram cortes de verbas ou baixa execução de recursos:
Meio Ambiente
Os gastos com o Ministério do Meio Ambiente em 2020 foram de apenas R$ 195 milhões, isto para um orçamento de patamares baixos nos últimos anos, da ordem de R$ 300 milhões. As despesas discricionárias do ICMBio em 2020, de R$ 303 milhões, representaram menos da metade do que o executado em 2019. O esvaziamento orçamentário está relacionado com o projeto de incorporação do órgão ao Ibama, o que seria uma grande perda para as políticas de fiscalização ambiental brasileiras.
Incentivo à pesquisa
Apesar das evidências da importância da ciência para conter e tratar a pandemia, o governo federal cortou expressivos recursos da área de pesquisa. Os gastos da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) em 2020 foram 24% menores em relação ao ano anterior, passando de R$ 4,6 bilhões para R$ 3,5 bilhões.
Indígenas
A execução financeira da Funai em 2020 se manteve em patamares semelhantes aos de 2019, de R$ 655 milhões. Esse valor é pequeno se comparado com anos anteriores e, especialmente, considerando a emergência sanitária vivenciada em 2020 devido à Covid-19.
Mulheres
As políticas voltadas para as mulheres em 2020 foram marcadas pela baixa execução e pelo desfinanciamento. Nem a suspensão das regras fiscais, nem a flexibilização das regras para contratos e licitações, medidas adotadas por causa da pandemia da Covid-19, foram capazes de melhorar o desempenho do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) na área, que chegou ao final do ano deixando de gastar 70% do recurso autorizado para 2020. Foram autorizados R$ 120,4 milhões e efetivamente gastos R$ 35,4 milhões.
Direito à cidade
Poucos recursos novos foram aportados para a função Urbanismo (que abarca urbanização de assentamentos precários, projetos de mobilidade urbana, entre outras áreas). Em 2020, dos cerca de R$ 6 bilhões gastos, somente R$ 1,3 bilhões correspondem a aportes novos para aquele ano, o que equivale a pouco mais de 20% do total. O restante diz respeito a pagamento de despesas comprometidas em anos anteriores.
Crianças, adolescentes e jovens
Os gastos com políticas voltadas para crianças, adolescentes e jovens despencaram ou desapareceram em 2020. As despesas destinadas à assistência de crianças e adolescentes, de R$ 443 milhões, foram 9,4% menores em relação à 2019. Os valores despendidos em educação infantil foram quase três vezes menores em 2020 (R$ 145 milhões) em comparação com 2019 (R$ 410 milhões). Em 2020, o governo federal não gastou nem R$ 300 mil reais para combater o trabalho infantil, que acomete 1,8 milhões de crianças de todo o país. Os recursos para Educação de Jovens e Adultos (EJA) estão em extinção: em 2020 nada foi gasto de recursos novos, somente despesas acumuladas de anos anteriores.
Igualdade Racial
No governo Bolsonaro foram extintos programas e ações voltados para combater a desigualdade racial, um dos fenômenos centrais dos processos de exclusão no Brasil. Em 2019, o Programa 2034: Promoção da Igualdade Racial e Superação do Racismo ainda teve recursos autorizados, no valor de R$ 10,3 milhões – dos quais foram executados R$ 7,1 milhões. A partir de 2020, uma vez extinto do Plano Plurianual (PPA), passou a executar somente restos a pagar de anos anteriores, no valor de R$ 2,4 milhões
Sobre o Inesc
O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) é uma organização não governamental, sem fins lucrativos e apartidária. Nos últimos 41 anos, o Inesc tem utilizado a análise dos orçamentos públicos como ferramenta estratégica para influenciar as políticas públicas, com a missão final de aprofundar a democracia, o fortalecimento da cidadania e realização dos direitos humanos no Brasil. O Inesc foi uma das cinco organizações da sociedade civil que lançou a campanha A Renda Básica que Queremos, iniciativa que pressionou pela aprovação do Auxílio Emergencial durante a pandemia.