Crise causada pelo coronavírus tem levado muitos profissionais a trabalhar por conta própria
Matéria do Clic RBS Por IAREMA SOARES, 31/08/2020
A crise sanitária provocada pelo coronavírus se aprofundou e avançou em diversas searas da vida cotidiana, afetando fortemente o trabalho. O distanciamento social reduziu a atividade comercial. Muitos empresários cortaram funcionários de suas equipes, outras tantas pessoas tiveram sua carga de trabalho reduzida e, consequentemente, seu salário. Diante deste cenário, o empreendedorismo – como forma de sobrevivência para honrar as contas no final do mês – foi a alternativa encontrada para manter o fluxo de caixa doméstico equilibrado.
O número de brasileiros desempregados está em ascensão. De junho para julho, a taxa de desocupação cresceu de 12,4% para 13,1%, chegando a um total de 12,3 milhões de pessoas forma do mercado de trabalho, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Mensal (Pnad) Covid-19 divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Rio Grande do Sul, o cenário não é diferente, por aqui, a força de trabalho fora do mercado só tem aumentado nos últimos meses. Em maio, eram 480 mil pessoas sem emprego. Em junho, esse montante saltou para 558 mil e, em julho, alcançou 568 mil trabalhadores.
A porto-alegrense Silvana Cardoso, 47 anos, faz parte dessa estatística. Em maio, ela foi demitida do cargo de auxiliar administrativa. Diante do imperativo de manter a entrada de dinheiro para pagar o aluguel de R$ 1,5 mil, honrar as contas da casa e prover os três filhos que moram com ela, Silvana pegou o dinheiro fruto da sua rescisão de contrato e decidiu investir e depositar empenho no Tempero da Preta, pequeno empreendimento dedicado a quitutes de comidas de matriz africana, como acarajé e feijoada.
Para enfrentar a crise, Silvana Cardoso passou a se dedicar fazer a quitutes de comidas de matriz africanaMateus Bruxel / Agencia RBS
O negócio já existia. A empreendedora havia comercializado seus produtos no início do ano em frente às sedes de escolas de Carnaval de Porto Alegre, mas, naquele momento, ela conciliava o emprego com o empreendedorismo. Agora, o que era secundário se tornou sua principal fonte de renda:
— Tem o aluguel e preciso pagar a internet. Meus dois filhos são bolsistas em uma escola particular e precisam acompanhar as aulas online, não posso deixá-los desassistidos. Aí, me joguei no Tempero da Preta. É difícil, mas me sinto privilegiada de ser filha de Oyá (orixá Iansã) e estar vendendo o acarajé, que é o agrado da minha mãe.
Conexão é a palavra da vez para os estreantes
Aos poucos o negócio foi se estruturando. Silvana passou a identificar a melhor forma de se comunicar com os clientes, passou a usar a lista de transmissão do WhatsApp para avivar a demanda por pedidos para o final de semana e se conectou com outros microempreendedores do Estado por meio da Rede Ubuntu.
Acarajé e feijoada são alguns dos pratos do Tempero da Preta – Mateus Bruxel / Agencia RBS
Esse projeto busca a inserção de povos tradicionais de matriz africana, quilombolas, indígenas, camponeses e pescadores na economia solidária, como forma da superação de desigualdades. A iniciativa viabiliza a entrega gratuita dos produtos, o que foi uma mão na roda para a Silvana.
— A rede me instruiu com a formação digital para eu divulgar meus produtos e acesso a motoboys, tudo gratuito, para que seja possível realizar entregas em Porto Alegre e cidades próximas. Isso me ajuda muito, porque o custo com a logística encarece o processo. Ali, somos incentivados a nos unirmos, por isso, já indiquei a minha comadre, que é costureira, e também minha sobrinha que faz comida para elas também terem essa formação — relata Silvana.
Para Mariana dos Santos, empreendedora e membro-fundadora da Odabá/Reafro-RS – Rede de Afroempreendedorismo, a atitude tomada por Silvana foi a mais acertada. A conexão com redes que ofereçam mentoria, capacitação, crescimento ou expansão do seu negócio neste estágio inicial é crucial:
— Empreender é uma atividade muito solitária, mas diversas entidades oferecem um empurrão nestes primeiros passos, quando temos mais vontade do que experiência. Os minorizados são os grupos que mais sofrem o impacto de desemprego. A conexão com redes de apoio pode fortalecer o negócio dessas pessoas e a criação de cooperativas também. Isso porque os pequenos não têm uma demanda tão volumosa quanto as grandes empresas. Contudo, juntos eles conseguem pleitear políticas para fomentar o empreendedorismo.
E não foi somente a criadora do Tempero da Preta que procurou mentoria ou ajuda em uma instituição. De acordo com dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado (Sebrae-RS), o número de clientes atendidos pela entidade cresceu 26% em relação ao mesmo período do ano passado. Até agora, foram 174.863 mentorias, contra 138.661 registradas em 2019.
Atenção para o planejamento e para que o cliente diz
Mara Regina Litch, 55 anos, investiu no ramo de confeitariaEmanuelle Litch / Arquivo Pessoal
Doces, salgados e quitutes têm receitas a se seguir e são essas instruções, com medidas precisas, que garantem um bom resultado final. No mundo dos negócios não existe bala de prata, as variáveis envolvidas são muitas e instáveis. Por isso, Thiago Marcílio, analista de relacionamento com o cliente do Sebrae-RS, pontua que é importante ter planejamento.
— O acompanhamento constante da empresa mostra o que funciona e o que não funciona. Empreender é tentativa e erro. Neste momento, temos pouca margem para errar, mas é preciso tentar, e o teste tem que ser feito dentro da realidade da empresa, por isso, é preciso planejamento e trabalhar com grupos reduzidos de testagem — destaca.
Ele destaca ainda que os pequenos empreendedores têm um trunfo sobre os grandes: o atendimento. Marcílio explica que magazines de alcance nacional, por exemplo, não conseguem transmitir humanidade em seu atendimento:
— A forma de se mostrar diferente e agregar valor é o atendimento. Enviar um cartão ou um bombom junto com o produto comprado é uma forma de afeto. Conhecer melhor o seu cliente para saber como dialogar melhor com ele é fundamental.
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É isso o que a agente comunitária de saúde Mara Regina Litch, 55 anos, faz. Estudiosa do ramo da confeitaria, ela também está atenta ao feedback da clientela e à estética dos produtos.
— Comprei as sacolinhas, fitas para enfeitar as embalagens e fiz etiquetas para personalizar tudo. Procuro ainda sempre pegar o retorno de quem compra os doces. Quero saber o que eles acharam do produto, porque quero me aprofundar no ramo e não quero largar mais. No futuro, quero ter um espaço físico, em que eu possa colocar uma placa com o nome Marokas Doces, esse é meu sonho — revela Mara, que começou a empreender após ter seu vale-alimentação, de R$ 442, retirado.