Por Mauri Cruz
Nestes últimos dias, Porto Alegre foi novamente invadida pela juventude mundial, pelas mulheres, pelas lutas do povo negro, por moradores de rua, artistas populares, juventude do hip-hop, sindicalistas, e milhares de representantes de variados movimentos sociais de mais de 60 países. Numericamente, foram 5.100 inscritos que pagaram a taxa de inscrição, no entanto, como as atividades são abertas, calcula-se que mais de 10 mil pessoas participaram das atividades ao longo dos cinco dias, sem contar com a participação na Marcha de Abertura que contou com mais de 15 mil participantes.
Passado o evento, quanto ao balanço, é possível afirmar que a realidade na qual este evento esteve inserido tem muita semelhança com aquela de 2001. A crise econômica se aprofundou. Desde 2001, embora no Brasil e na América Latina, resultado de políticas públicas implementadas por Governo Populares o impacto da crise foi amenizado, no resto do mundo, no entanto, a crise só se aprofundou. Um exemplo é o aprofundamento da concentração de renda, demonstrada por estudos da OXFAN, organização não governamental europeia, que indica que os 1% dos mais ricos possuem 53% de toda a riqueza do mundo, restando, aos demais 99%, o equivalente a 47%. Mais que isso, que as 64 pessoas mais ricas do mundo, possuem a mesma quantidade de riqueza que 3,5 bilhões de pessoas. A crise econômica, do ponto de vista da maioria da população é a desigualdade e, deste ponto de vista, está maior que em 2001.
Já, na questão da crise ambiental, em 2001, havia uma denuncia dos movimentos sociais ambientalistas mundiais sobre a insustentabilidade do atual modelo econômico e modo de vida. Infelizmente, aquela denuncia que não foi levada em conta pelos governos no mundo, inclusive os populares, hoje é uma realidade. Ninguém questiona a existência de um rápido e profundo câmbio climático e suas consequências para o equilíbrio da vida no planeta. O que pode se discutir são as suas causas.
Por fim, o FSM nasceu em 2001 pelo reconhecimento, já naquele ano, da crise de representação política dos governos e dos partidos políticos pelo mundo. A metodologia que tem mobilizado os processos do FSM desde os primeiros anos é que cada um se representa. Cada cidadã e cidadão do mundo tem o direito de representar-se diretamente, sem mediações de organizações, partidos ou governos. Nos dias de hoje, esta crise de representação se agudizou. Desde 2011, governos foram derrubados, com consequências positivas, em algumas poucas experiências e crítica em outras. O que está claro é que o atual modelo de representação política que organiza as frágeis democracias no mundo não atende as necessidades e o desejo das pessoas. Pior que isto, as democracias foram, na sua maioria, capturadas pelo capitalismo financeiro internacional que, através da corrupção e de seu poder econômico, tutelam partidos e governos, subvertendo a democracia e a vontade popular.
Mas além das crises econômica, política e ambiental, outras coisas também mudaram. Nas primeiras edições do FSM em Porto Alegre, as principais vozes eram homens, brancos, europeus ou latino americanos, quase todos intelectuais de esquerda que denunciavam o sistema capitalista e o neoliberalismo e entendiam que era preciso um protagonismo dos movimentos sociais. Para quem participou de todo processo de preparação e realização do FSM 15 Anos em Porto Alegre não há dúvida de que o protagonismo foi das mulheres, autodenominada de primavera feminina, dos vários movimentos de povo negro e da juventude brasileira, latino-americana e internacional. Esse novo protagonismo, trás consigo, toda a diversidade das lutas urbanas, ecológicas, das lutas contra os feminicídios, contra o extermínio da juventude negra, em defesa dos direitos sociais no mundo, na defesa da paz, da democracia e de outra forma de vida.
Neste sentido, outra mudança fundamental, é quanto a construção do outro mundo possível. Em 2001, haviam muitas ideias, propostas e utopias do que se pretendia fazer. Nestes últimos quinze anos várias destas propostas foram postas em prática, em especial, no Brasil e na América Latina. E, na sua maioria, se demonstraram eficazes na superação da pobreza, no fortalecimento das culturais locais e tradicionais das comunidades quilombolas, indígenas e tradicionais, na construção de outra economia tendo por base a economia solidária e popular, a criação das quotas nas universidades, a gestão das águas sob controle público, o fortalecimento dos sistemas de saúde pública, da educação pública e gratuita com metodologia transformadora. São tantas experiências de sucesso que já se faz necessário um Fórum Social dedicado exclusivamente para discussão e apresentação das boas práticas.
Neste sentido, a realização da edição do FSM 15 Anos Porto Alegre cumpriu um papel estratégico no debate e na sistematização dos processos do FSM até os dias de hoje. O resultado deste debate será sistematizado pelos movimentos e organizações participantes em Porto Alegre e servirão como base para os debates e atividades no Fórum Social Mundial que se realizará de 09 a 14 de agosto de 2016, em Montreal, no Canadá. Porto Alegre, mais uma vez, dá sua modesta contribuição para esta longa trajetória de construção de outro mundo possível.
Mauri Cruz é advogado socioambiental, especialista em direitos humanos, professor de pós graduação em direito à cidade e Mobilidade urbana, diretor da AbongRS.
Fonte: Sul 21