or Júlia Garcia e Maíra Guedes
Na última sexta, 13 de março, Salvador viveu uma dia inteiro de lutas
Pela manhã, dezenas de organizações se reuniram em frente a unidade da Petrobrás no Itaigara, entre elas o MST, MMM, Levante Popular da Juventude, MPA, MAB, Consulta Popular, CMP, CUT, CTB, Força Sindical, PT, Pc do B, PSB, movimentos de luta por moradia, todos e todas em defesa da Petrobras, da Constituinte e por mais direitos. A tarde o comando foi das mulheres, com as mesmas pautas, em marcha do Campo Grande à Praça Castro Alves, e com unidade ainda mais ampla do que pela manhã.
O momento de cerco político e crise econômica mundial coloca para esquerda que o desafio da unidade ensaiado em julho de 2013 precisa seguir. É uma questão de sobrevivência. Depois de um longo de dia de lutas, essas jovens feministas que vos escrevem fizeram algumas reflexões aqui compartilhadas. Longe de nós querer dizer como cada organização política vai conduzir suas ações, e talvez você que agora nos lê já esteja cansado/a de saber sobre o que refletimos, mas optamos por não deixar somente ecoando pela Praça Castro Alves nas conversas e cervejas que comemoraram o dia vitorioso.
Apesar de não estarmos em momento de golpe, a desestabilização do governo é uma das formas de pressionar mais ainda pra que se implemente medidas neoliberais. Isso não pode transformar nossa estratégia na eleição de 2018. Parece simples, mas não é. A eleição é parte da tática, e a tática não pode ser confundida com a estratégia. De tão óbvio parece bobo. Mas a esquerda desde a década de 90 transformou sua estratégia na tática eleitoral. Se naquele período o “Lula lá” foi a meta-síntese, agora, em 2015, defender o Governo Dilma e para alguns pedir “Lula lá” de novo parece ser a pauta máxima. Derrotar o neoliberalismo não passa somente por GANHAR as próximas eleições – até porque na composição da frente que dirige o governo, a cartilha neoliberal não passa longe, vide o corte de 7bi na educação e a retirada de direitos trabalhistas. É preciso a construção de força em torno de uma bandeira política com capacidade de massas, que recoloque a centralidade do poder político e do poder popular. Essa bandeira não é a reforma política eleitoral, é a Constituinte.
Durante o dia 13 de março algumas pessoas questionaram: “vocês sonham demais, e até a constituinte chegar faz o que?” É esse “até lá” a parte mais importante disso tudo.
Tem uma máxima que aprendemos com as/os sandinistas que diz “Nós analisamos a realidade como marxistas e encaramos o marxismo como nicaraguenses.” Pois bem, é esse o esforço, e para isso, compreender o inimigo é fundamental. O que queremos de fato derrotar? E o que é necessário par derrotar? A burguesia interna brasileira, pela natureza capitalista da formação social e econômica de nosso país, está completamente atrelada à burguesia internacional e ao projeto político do imperialismo. Sem projeto de nação e subordinada, essa burguesia sempre priorizou as mudanças por arranjos políticos, pelo “alto” (ex: abolição, revolução de 30…), ela opera para que as classes populares não participem dos processos, resolvendo as questões com maquiagens e arranjos políticos. Elas sempre optam por arrefecer a luta antes que o povo organizado coloque a centralidade do poder. Quando o poder político se coloca, as saídas são historicamente golpistas.
Nós não queremos arranjos políticos. A tarefa que se coloca para a esquerda é a construção de força social organizada para incidir na conjuntura e alterar a correlação de forças em nosso favor. Isso significa um longo processo de formação da consciência, que só virá com trabalho de base e organização popular. É fato que a vida do povo melhorou desde 2002, mas é grave quando percebemos que a recomposição da classe trabalhadora com a formação de milhões de jovens operários nos últimos 12 anos não se reverteu em sindicalização. É preciso compreender porque grande parte das mulheres beneficiadas pelo Minha casa Minha vida em Salvador, por exemplo, votaram em ACM Neto do DEM. É preciso compreender porque 70% dos prounistas são contra o bolsa família.
O “Até lá” é o fundamental. As reformas propostas pela direita ou até mesmo por organizações de esquerda, são retrocessos ou meras reformas eleitorais. No caso dos projetos de lei propostos pela esquerda, eles não cumprem com o principal objetivo que é a construção de força social. Tem quem diga “mas nem essas a gente vai conseguir aprovar e vocês querendo constituinte.” O trabalho iniciado em 2014, com o Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político foi a primeira grande ação de trabalho de base da campanha, é só o começo. É preciso retomar a compreensão de acúmulo de forças e abandonar o imediatismo.
“Mas o povo tá com fome agora, as negras precisam entrar agora na Universidade, a violência contra a mulher precisa ser enfrentada agora, assim como os direitos trabalhistas precisam ser garantidos agora…” Isso é o óbvio. Mas esquecer a luta política por causa da luta econômica é erro grave aprendido por nós enquanto classe, que nos levou a derrota inúmeras vezes. Como bem disse Lênin significaria esquecer todos os ensinamentos proporcionados pela história do movimento operário. E foi isso que a esquerda fez nos últimos períodos.
Essa idéia de que “o povo não sabe o que é Constituinte” é justificativa pífia. Se não sabe, a tarefa da/o militante é formar. E os 8 milhões de votos da primeira ação de trabalho de base da Campanha demonstraram exatamente o contrário. Primeiro exercício sugerido, abandone o colonizador que existe em você e confie nos trabalhadores e trabalhadoras desse país. Quando a esquerda se lança ao trabalho de base, à formação política e a organização popular podemos não somente eleger candidatas/os, ou ampliar a participação popular, mas voltar a construir um projeto de poder. Um Projeto Popular para o Brasil.
A tarefa agora é retomar o funcionamento dos comitês nos bairros, escolas, universidades, sindicatos e etc, realizar ações por todo o país. Ações formativas, entre cursos e ações de rua. Ontem, fizemos ecoar por Salvador “Pro feminismo avançar, pro feminismo avançar, Constituinte Já, Constituinte Já!” E o que ficou explícito é que se depender da luta das mulheres, avançaremos!
*Júlia Garcia e Maíra Guedes são militantes do Núcleo Negra Zeferina, da Marcha Mundial das Mulheres em Salvador/BA.