Feicoop é marcada pela diversidade e fortalece alianças entre povos e movimentos populares

‘Em 2026 vamos voltar para julho e fazer uma grande feira, mantendo a qualidade, buscando recursos e parcerias’

13.out.2025 às 16h36 Santa Maria (RS) Clara Aguiar e Fabiana Reinholz BdF RS

Durante a 31ª Feicoop, foi lançado o livro coletivo Fespope – O despertar para uma escrita poética, resultado de diversas oficinas de escrevivência – Foto: Clara Aguiar

Nos pavilhões da 31ª Feira Internacional do Cooperativismo (Feicoop), realizada entre os dias 10 e 12 de outubro, em Santa Maria (RS), o colorido das pinturas, os artesanatos indígenas e quilombolas do Pavilhão da Teia dos Povos traduziram o espírito do evento, que celebrou a economia solidária e as alianças entre povos e territórios.

Entre cores, sementes e saberes compartilhados, a artista visual e arte-educadora Rusha destacou a potência coletiva da feira. Integrante da Vila Resistência e do Atelier Griô, espaço dedicado à arte e à cultura vileira, ela reforçou o papel da Feicoop como território de encontro e construção de alternativas econômicas e culturais.

“Trabalho muito com as crianças e com os mais velhos, porque as crianças são essas sementinhas que dão esperança pra gente”, expõe Rusha – Foto: Clara Aguiar

“Estamos muito felizes de estar aqui participando de mais uma Feicoop, uma feira tão importante para a economia solidária. Aqui no pavilhão da Teia dos Povos participamos enquanto comunidade, fortalecendo essa articulação entre o povo indígena, o povo quilombola, o povo camponês e o povo periférico. É um corredor muito diverso, uma aliança viva desses povos. Está tudo muito bonito, muito grandioso”, afirmou.

Rusha contou que sua arte nasce da relação com o território e com as pessoas. “Busco, com o meu trabalho, reflorestar imaginários e pintar um mundo outro para o nosso povo. Trabalho muito com as crianças e com os mais velhos, porque as crianças são essas sementinhas que dão esperança pra gente.”

Soberania alimentar e saberes populares
Natural de Caçapava do Sul e moradora de Santa Maria, Fernanda de Figueiredo Ferreira atua com práticas de autocuidado baseadas em fitoterápicos, plantas medicinais, óleos essenciais e tônicos naturais. Desde 2016, desenvolve esse trabalho, que também foi tema de sua tese em Educação Popular em Saúde, abordando conhecimentos tradicionais e populares relacionados à fitoterapia e à homeopatia popular. “Venho trabalhando na divulgação desses saberes, articulando sempre com o movimento social e com a educação popular e saúde”, contou Ferreira.

Participante assídua da Feicoop, ela afirma que o evento tem um significado familiar e comunitário. “A feira pra mim está dentro do aspecto familiar. A gente já tinha uma madrinha que trabalhava com panificação, está há 38 anos na feira. Eu participo há cerca de 6 anos expondo com o pessoal do movimento.”

“Resgatar esses processos é reafirmar quem somos e fortalecer a nossa biodiversidade”, destaca Fernanda de Figueiredo Ferreira – Foto: Clara Aguiar

A educadora defende o alimento como um elemento de cultura, identidade e memória, que conecta os povos aos seus territórios e saberes ancestrais. “A feira nos convida a pensar em soberania alimentar, a sair das cadeias de consumo e entender o alimento como identidade, cultura e memória. É também uma forma de enfrentarmos o processo de medicalização da saúde.”

Ferreira ressalta que cada território carrega saberes e alimentos sagrados, que expressam a diversidade e a ancestralidade dos povos. “Resgatar esses processos é reafirmar quem somos e fortalecer a nossa biodiversidade.”

Mulheres catadoras retomam espaço e defendem protagonismo na reconstrução ecológica
A feira também foi espaço de atividades formativas e de debate como temas sobre os impactos da crise climática, empoderamento feminino, e rodas de conversa como “Mulheres Catadoras – Justiça de Gênero na Reciclagem e Mudanças Climáticas”, promovida pela Associação do Voluntariado e da Solidariedade (Avesol).

“A gente entende que não existe economia solidária sem catadores dentro”, enfatiza Paula Guedes de Azevedo – Foto: Clara Aguiar

Após mais de 7 anos sem um espaço dedicado aos catadores na Feicoop, o Coletivo de Mulheres Catadoras do Rio Grande do Sul marcou presença nesta edição.

Paula Guedes de Azevedo, 36 anos, moradora da zona leste de Porto Alegre e integrante de uma associação de catadoras de materiais recicláveis, celebrou o retorno do grupo ao evento. “Estamos fazendo uma retomada importante aqui na Feicoop. Há mais de 7 anos os catadores não tinham mais um espaço na feira, e nós, mulheres catadoras do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), estamos nos organizando em nível estadual para ocupar esse lugar e trazer a importância do nosso trabalho à frente da logística, especialmente nesse contexto de mudanças climáticas. Buscamos a justiça de gênero dentro da reciclagem.”

Para ela, o retorno das catadoras reforça um princípio essencial. “A gente entende que não existe economia solidária sem catadores dentro. Construímos uma grande logística de geração de renda e projetos sociais dentro da reciclagem. Da reciclagem surge o artesanato, as oficinas de sabão, a restauração de roupas, é um leque de possibilidades. Nessas mudanças que estamos vivendo no mundo, sem os e as catadoras não há reconstrução possível.”

Arte com resíduos e ancestralidade
Artista visual de Santa Maria, Mariri há cerca de 10 anos desenvolve um trabalho de reaproveitamento de resíduos, ressignificando materiais descartados por meio da arte.

“Estamos passando por um momento muito sério, muito grave, que é essa crise climática”, destaca a artista Mariri – Foto: Clara Aguiar

“Venho desenvolvendo esse trabalho há mais ou menos uns 10 anos, trazendo a fauna, a flora, os animais nativos do Brasil e também as mulheres como protagonistas”, contou. Suas obras dialogam com referências afro-brasileiras ligadas à fé e à espiritualidade, expressando, segundo ela, “a força da ancestralidade e as belezas do nosso território”.

Entre os materiais que compõem suas criações estão pneus, calotas de carro, cintos e até bojos de sutiã. “São elementos que, olhando assim, nem dá para reconhecer, mas que falam sobre ressignificação, transformação e a possibilidade de construir com o que já se tem”, explicou.

Para Mariri, o que muitos chamam de lixo é, na verdade, “a matéria-prima mais abundante que a gente tem nesse momento”. A artista vê seu trabalho conectado ao das catadoras, presentes também na feira: “É um trabalho totalmente voltado à seleção desses materiais e de enxergar para além de uma antena parabólica ou de uma calota de carro, é pensar como a gente pode transformar isso e contar uma história”.

Cada personagem criado por ela, diz, traz uma narrativa própria e aborda temas urgentes. “Estamos passando por um momento muito sério, muito grave, que é essa crise climática. Então, a gente precisa pensar em soluções. E, eu, como ativista ambiental, encontrei uma forma de contar essa revolta de um jeito belo, através da arte.”

Trocas culturais na Feicoop
Morador da Aldeia Guaviraty Porã, em Santa Maria, o artesão Silvio Pereira Verá participou pela terceira vez da Feira Internacional do Cooperativismo (Feicoop). Ele destacou a importância do evento para os povos indígenas e para a troca com outros expositores. “É importante para todo mundo”, resumiu. “Eu sempre participei em feiras na cidade também, e gostei muito disso.”

Verá contou que veio acompanhado de seis integrantes da aldeia, que hoje abriga cerca de 140 pessoas. O artesanato é a principal fonte de renda da comunidade.

Morador da Aldeia Guaviraty Porã, em Santa Maria, o artesão Silvio Pereira Verá participou pela terceira vez da Feicoop – Foto: Clara Aguiar

Livro reúne escrevivências de mulheres negras
Durante a 31ª Feicoop, foi lançado o livro coletivo Fespope – O despertar para uma escrita poética, resultado de diversas oficinas de escrevivência realizadas a partir das autoras negras que integram o Fórum das Mulheres Negras na Economia Popular e Solidária (Fespope).

“Estar nesse palco hoje é muito significativo, porque, durante muito tempo, percebemos que nunca nos enxergamos nesse espaço”, afirma Gil Neves – Foto: Clara Aguiar

“Esse livro é resultado de diversas oficinas de escrevivência a partir das escritoras negras que temos no fórum. São 15 autoras, com poemas, crônicas e outras produções. Ele serve como um impulsionamento para que outras mulheres negras possam se inspirar, mostrar seu talento, sua arte e toda a sabedoria ancestral que carregam”, destacou Gil Neves, integrante do Fespope e do Centro de Assessoria Multiprofissional (Camp).

Sobre a participação na feira, ela ressaltou o simbolismo da presença do grupo. “Estar nesse palco hoje é muito significativo, porque, durante muito tempo, percebemos que nunca nos enxergamos nesse espaço. Nunca ocupamos esse palco. Pela primeira vez, ser vista com um trabalho tão bonito e inspirar outras mulheres é emocionante.”

Para Neves, a Feicoop é mais do que um espaço de comercialização. “É um espaço de troca, de conhecimento, onde a gente se fortalece enquanto mulheres, enquanto sujeitas trabalhadoras, e reconhece o valor do nosso trabalho. Porque não é só um produto que está sendo oferecido, mas sim a dignidade econômica.”

As trabalhadoras do Fespope ainda realizaram uma oficina onde relataram as suas experiências nas 14 edições da Feira de Economia Popular Solidária das Mulheres Negras, que ocorrem no centro de Porto Alegre. Na ocasião foram relatadas dificuldades, desafios e avanços.

“A Feicoop é um intercâmbio de saberes”
Natural de Santa Maria, Caroline Moraes integra a equipe de comunicação da 31ª Feira Internacional do Cooperativismo (Feicoop). “Faço toda a gestão das redes sociais do Feirão, além da parte de oficinas e programação”, conta. Ela ressalta a renovação geracional e protagonismo comunitário na feira.

Envolvida há quatro anos com a feira, e há dois na coordenação, Moraes destaca que o evento “vai muito além da comercialização”. Para ela, a Feicoop é “um intercâmbio de saberes e um envolvimento coletivo de toda a sociedade santa-mariense. No município, não há outro evento que se compare a essa estrutura.”

“É essencial envolver a juventude, porque essa troca mantém viva a feira e os empreendimentos familiares” , frisa Caroline Moraes – Foto: Clara Aguiar

Ela lembra que o adiamento da edição de 2025 possibilitou aprimorar a organização. “A gente pretende melhorar ainda mais, em infraestrutura, comunicação, praça de alimentação, sempre a partir das demandas dos feirantes.”

Além de colaboradora, Moraes também é feirante há 5 anos e faz parte da direção da cooperativa Macarena. Em sua pesquisa de mestrado, ela analisa o impacto intergeracional da economia solidária. “As pessoas da direção estão aqui desde o começo, e agora temos um movimento de renovação. Na minha equipe, todo mundo tem menos de 25 anos. É essencial envolver a juventude, porque essa troca mantém viva a feira e os empreendimentos familiares”, afirmou.

“A feira é importante por ser economia solidária, com produtos feitos pelas próprias mãos”
Moradora de Santa Maria, Ana Luíza Lopes costuma visitar a Feicoop de vez em quando, geralmente acompanhada da amiga Marina. “Ela me traz pra dar uma olhadinha, às vezes pra comer alguma coisa aqui, porque é fim de semana e eu não acordo muito cedo”, contou, rindo.

Para Ana Luíza Lopes a feira é importante e relevante para a cidade – Foto: Clara Aguiar

Para ela, o evento tem grande importância por valorizar o trabalho artesanal e coletivo. “Eu acho uma coisa muito legal, muito importante, muito relevante, exatamente por ser economia solidária, por ser produtos que as pessoas fazem com as próprias mãos”, afirmou.

Diante do contexto recente de enchentes que atingiram Santa Maria em 2023 e 2024, Lopes apontou que a feira ganha ainda mais significado. “É importante e relevante para a cidade.”

Festa da economia solidária
Coordenador do Projeto Esperança/Cooesperança, José Carlos Peranconi participa da Feicoop desde a primeira edição. Nos últimos quatro anos, ele assumiu a coordenação geral do evento, junto a uma grande equipe.

“Em Santa Maria, a gente trabalha o ano todo com o Feirão Colonial, e a Feicoop é como se fosse a confraternização deste trabalho”, explica José Carlos Peranconi – Foto: Clara Aguiar

“Em Santa Maria, a gente trabalha o ano todo com o Feirão Colonial, e a Feicoop é como se fosse a confraternização deste trabalho. É a festa da economia solidária do Rio Grande do Sul e do Brasil”, expôs

Peranconi lembra que entrou no Projeto Esperança por meio da Irmã Lourdes Dill, uma das fundadoras da feira e referência na história do movimento. “A Irmã Lourdes tem todo esse legado que hoje está aqui. Às vezes as pessoas perguntam se a gente está substituindo ela, mas não é isso. Estamos dando continuidade a um trabalho que também ajudamos a construir.”

A 31ª Feicoop reuniu cerca de 400 expositores, entre agroindústrias familiares, artesanato, povos indígenas e quilombolas. “Tudo o que é vendido aqui vem de pequenos grupos e famílias agricultoras. Não tem nenhuma empresa fornecendo alimento. É tudo feito por mãos de grupos solidários”, frisou.

Peranconi ressaltou ainda o compromisso com a produção saudável e agroecológica: “A grande maioria dos nossos produtores trabalha com uma agricultura livre de agrotóxicos. Eu mesmo compro toda a minha alimentação aqui. São produtos de pequenos agricultores, feitos com cuidado e consciência”.

Além da comercialização, a feira contou com cerca de 50 atividades formativas, entre seminários, oficinas e rodas de conversa. “Esse ano o tema das mudanças climáticas veio muito a calhar. Passamos por enchentes, secas e outras emergências, então as oficinas serviram para discutir caminhos e, no ano que vem, queremos ver os resultados dessas discussões.”

Encerrando, Peranconi já projeta a próxima edição: “Em 2026 vamos voltar para julho e fazer uma grande feira, mantendo a qualidade, buscando recursos e parcerias. A Feicoop é isso, uma grande festa da economia solidária.”

Editado por: Katia Marko

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