Organizar a resistência, esta é a ordem – Parte II

Mal completou um mês do início do quarto mandado do PT à frente do governo federal no Brasil e parece que a luta política contra a Presidenta Dilma já dura meses. A tentativa de desconstrução dos avanços conquistados pelo campo democrático e popular nos últimos anos não parou e está se acirrando cada vez mais.

O último round foi a eleição do peemedebista e opositor declarado do Palácio do Planalto, Dep. Eduardo Cunha para presidente da Câmara Federal. Não apenas a derrota, mas a forma como ela se deu, acende um sinal de alerta sobre o futuro do projeto nos próximos anos.

Claro está que as negociações realizadas à direita para composição do governo não deram a estabilidade desejada pela Presidenta Dilma. Isto significa que a implementação das necessárias reformas apontadas como eixo condutor do quarto mandato consecutivo da esquerda no Brasil, tais como, a reforma política, a regulação econômica da mídia, a reforma tributária, entre outras correm o risco de serem inviabilizadas. A composição do governo, além de não garantir de forma confiável, se é que isso é possível, os partidos fisiológicos para os projetos do governo, acabou por desagradar a base social que teve um papel decisivo na vitória eleitoral no segundo turno das eleições presidenciais. Não só a composição como as primeiras medidas econômicas que só penalizaram os setores populares e pouparam os detentores das grandes riquezas.

A justificativa do governo é que o resultado eleitoral mudou a correlação de forças para pior e a margem de manobra do governo foi reduzida. Isto é verdade.

Mas como já apresentei no artigo anterior, para quem acompanha a história política brasileira, era previsível e até esperada uma quinada à direita de parte da sociedade. Isto porque, após direcionar pesados recursos públicos para garantir direitos sociais à partir da redistribuição de renda, os governos populares precisam mexer nos privilégios das elites brasileiras para manter este processo. Só que as elites não aceitam pacificamente mudar de status social. Reagem violentamente para manter seus privilégios. Foi assim nos governos Getúlio Vargas em 1954 e com Jango em 1964 e está sendo com Dilma desde 2013. O final das outras duas tentativas já sabemos. O martírio de Getúlio e o golpe civil-militar contra o presidente Jango eleito democraticamente.

Ocorre que, em nos casos anteriores, apesar das medidas populares feitas pelos governos Getúlio e Jango, não havia uma resistência organizada na sociedade. Os movimentos sindicais e estudantis eram tutelados pelo populismo. Por isso, os dois golpes se deram sem resistência de movimentos de massa. Também porque a mídia nacional orquestrou um longo processo de desgaste daqueles governos, justamente com temas como a corrupção e o desvio de finalidades do estado caracterizado pela “ameaça comunista” identificada nas políticas em prol dos trabalhadores e trabalhadoras. Desgastados, sem organização e estratégia de médio e longo prazos dos movimentos sociais e populares, os governos da época ruíram e o projeto de um Brasil Popular foi adiado nas duas vezes.

Aparentemente o enredo se repete. Após 12 anos de significativos avanços sociais, para que o projeto popular continue avançando é necessário mexer nos privilégios das elites brasileira. Como era previsível, estas elites não pretendem perder nada e irão até as últimas consequências para manter seu poder político, econômico e social. Utilizam, de forma muito clara seu poder midiático para tutelar o governo que, dentro de uma lógica democrática, tem limites de romper com os privilégios causadores das desigualdades. Orquestram uma campanha permanente contra o governo, mas que tem como foco a crítica às políticas sociais e de distribuição de renda. Batem no governo, mas atingem a luta popular.

Como disse no texto anterior esperar que o governo Dilma lidere as bandeiras das transformações estruturantes é não compreender os limites da atuação institucional e a estratégia aprovada no V Encontro Nacional do PT em 1997. Naquele encontro ficou claro que a estratégia de atuação na institucionalidade significa a existência de um tripé entre os movimentos sociais, o partido e os governos democráticos e populares. Cada ferramenta cumprindo o seu papel na estratégia.

Por isso, está claro que para que o enredo dos contextos de 54 e 64 não se repita é necessário a existência de um partido político de massas, de caráter nacional, comprometido com as transformações sociais, organizado pela base e com uma aliança estratégica com os movimentos e organizações sociais. Um partido capaz de pautar o debate sobre a necessidade das transformações estruturais na sociedade brasileira. Mais que isso, um partido que pratique suas concepções de sociedade internamente e quando à frente de governos.

Sempre soubemos dos limites da atuação institucional. Por isso, cabe aos movimentos sociais a pressão para romper com os limites da institucionalidade que mantém os privilégios da elite brasileira. E, cabe aos partidos populares a indicação de qual projeto realmente terá o papel de emancipação da classe trabalhadora, não alimentando ilusões de que a institucionalidade nos moldes atuais seja capaz das transformações estruturantes.

Parte da sociedade brasileira, por força de uma campanha permanente contra o governo está inclinada à depor um projeto democrático e popular em andamento. O governo, acuado e fragilizado tenderá a ceder cada vez mais aos interesses das elites visando permanecer no poder, mesmo às custas do projeto. Para que isso não ocorra é essencial organizar a resistência, pressionar o governo para que assuma os riscos do embate. Esta resistência deve ser assumida por uma frente de esquerda que una os movimentos sociais e populares e os partidos de esquerda comprometidos com as transformações sociais. Uma frente de esquerda organizada pela base, com comitês locais, municipais, regionais e nacionais. Porque sem movimentos e partidos que pretendam construir uma revolução democrática não tem sentido gerir o capitalismo.

Por: Mauri Cruz é advogado socioambiental, especialista em direitos humanos, professor de pós graduação em direito à cidade e Mobilidade urbana, diretor regional da AbongRS

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