Formação fortalece lideranças populares para ‘construir um outro mundo possível’

Organizado pelo Camp, nesta semana, evento reuniu 30 participantes em Porto Alegre

26.set.2025 às 15h47 Porto Alegre (RS) Clara Aguiar Brasil de Fato RS

Foram realizadas, na quarta-feira (24) e quinta-feira (25), as atividades presenciais da 1ª Turma do Programa de Formação Continuada – Construindo o fazer solidário para um outro mundo possível, promovido pelo Centro de Assessoria Multiprofissional (Camp), na Pousada São Lourenço, conhecida como Capuchinhos, em Porto Alegre.

Este 1º Ciclo de Formação, denominado de “Construindo o fazer solidário para um outro mundo possível”, teve como objetivo proporcionar a troca de experiências e de informações entre lideranças de grupos, coletivos e empreendimentos do segmento da educação, da saúde, do ambiental, do artesanato e várias outras formas de economias praticadas nos territórios, para o aprofundamento e difusão de técnicas de planejamento, produção, comercialização de produtos e serviços e, para reflexão sobre o papel de uma nova economia na construção de uma sociedade mais justa, igualitária e sustentável.

O Programa de Formação Continuada é destinado a lideranças sociais que tenham como atividade principal os empreendimentos ou grupos de economia popular e solidária, que residam no Rio Grande do Sul e que, preferencialmente, tenham participado de pelo menos uma atividade realizada pelo Camp nos últimos três anos.

O Programa de Formação Continuada faz parte do Projeto de Formação de Agentes de Desenvolvimento em Economia Solidária desenvolvido e implementado pelo Camp – Escola do Bem Viver, através de recursos da Secretaria Nacional de Economia Solidária – Senaes do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE do Governo Federal e tem o Instituto IDhES como parceiro e responsável pela organização, produção e apoio político pedagógico.

Na segunda-feira (24), a atividade começou com ensinamentos de Paulo Freire, e uma acolhida, no qual os participantes escreveram o nome de seus ancestrais em uma dinâmica chamada quem somos, de onde viemos.

O advogado socioambiental, especialista em direitos humanos e um dos fundadores do Fórum Social Mundial, Mauri Cruz, destacou a importância do processo de fortalecimento coletivo durante o encontro.

Segundo ele, o objetivo central é que o grupo consiga se reconhecer como coletivo de classe, construindo a partir daí uma dinâmica de autogestão. Esse processo, explicou, é um dos principais desafios tanto nos empreendimentos de economia solidária quanto no campo democrático popular.

“Precisamos desenvolver uma metodologia de gestão democrática, em que todas as pessoas tenham sua opinião respeitada, seu lugar de fala reconhecido e participem efetivamente da gestão do poder dentro daquele coletivo ou território”, afirmou.

Mauri ressaltou ainda que o programa de formação continuada não se limita à teoria, mas se propõe a ser uma experiência prática e concreta. “A ideia é partir da teoria para discutir como ela se reflete na construção de um outro mundo, um mundo melhor”, completou.

A formação continuada em economia solidária capacita os participantes para a autogestão, o planejamento e a comercialização de produtos e serviços, fortalecendo a democracia participativa, a autonomia e a cooperação. No processo formativo do Camp, foi trabalhado como os problemas derivados do capitalismo, patriarcado, racismo e etarismo – questões que atravessam o cotidiano das lideranças, dos coletivos e empreendedores populares. Essa formação promove a construção coletiva do conhecimento e a troca de experiências, impulsionando empreendimentos sustentáveis, a inclusão social e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

“A gente está, a partir da prática, debatendo o que é autogestão, o que é autogestão na economia popular solidária e nos grupos e movimentos que a gente atua”, explicou a coordenadora do Camp, Daniela Tolfo.

Parceiros do Camp, a Associação Brasileira de Ongs (Abong), marcou presença no encontro: “Há mais de 30 anos essa entidade visa fortalecer organizações da sociedade civil do Brasil que lutam em prol dos direitos humanos. Então, a gente tem diferentes frentes de atuação, sempre com esse objetivo de fortalecer o trabalho que as organizações da sociedade civil estão fazendo pelo Brasil inteiro. A escola de formação, que é essa área que a gente coordena, Ela dialoga com todos os projetos”, destacaram os representantes da Abong, Lara Santos Rocha e Arthur Valerio.

Como tarefa, os participantes foram divididos em grupos a partir de quatro eixos temáticos – saúde, economia, cultura, ambiental e educação – e cada grupo escolheu uma personalidade de referência para representá-lo. A partir dessa escolha, realizaram pesquisas sobre a trajetória da pessoa e dialogaram sobre sua contribuição para a construção de um mundo diferente e possível.

Em seguida, refletiram coletivamente sobre quais ações poderiam ser realizadas, quais procedimentos seriam necessários e de que forma cada indivíduo poderia contribuir. A atividade culminou em dinâmicas práticas, nas quais os grupos apresentaram propostas concretas. O grupo voltado ao tema ambiental, por exemplo, sugeriu que, no segundo dia do evento, cada participante levasse sua própria garrafinha e caneca, evitando o uso de descartáveis.

Já o grupo da economia propôs a realização de uma feira de trocas para que os integrantes pudessem expôr seus produtos e experimentassem, na prática, uma das vertentes da economia solidária – baseada em princípios de cooperação, reciprocidade e valorização do trabalho coletivo, em oposição à lógica estritamente mercantil do lucro.

Finalizando o primeiro dia de formação, foi realizada um atividade que consistiu na identificação dos três principais problemas enfrentados pela comunidade, envolvendo saneamento, educação, gestão de resíduos, segurança e moradia/regularização fundiária, e na reflexão sobre possíveis soluções a partir de uma perspectiva local.

Na terça-feira (25), um dos temas centrais foi a reflexão sobre os conceitos de trabalho, mercadoria, força de trabalho, tempo e mais-valia, buscando compreender suas distinções e implicações no cotidiano. A partir desse debate, os participantes foram convidados a exercitar o pensamento utópico, imaginando uma nova sociedade, onde prevaleçam a dignidade humana, o direito ao ócio, o fim do trabalho exploratório e a busca por uma maior qualidade da manuntenção da vida. O momento também foi marcado pela leitura de um poema escrito por Scharle Edson, do Ecosítio Natureza Sagrada, que trouxe inspiração e encorajamento ao grupo:

“Serão muitos os desafios, mas também será uma jornada de aprendizagens, muitas trocas, de profunda dialogicidade. Em alguns momentos vocês se sentirão sozinhos(as), cansados(as), talvez desanimados(as). Nestes momentos será necessário resiliência! Que vocês procurem a rede que construíram para se fortalecer. Quem sabe, o que precisarão será só um pouco de acolhimento. Mas não se demorem, porque aqueles(as) por quem vocês se importam precisam de muito mais… Precisam de saúde, de educação, de segurança, de moradia, de comida na mesa, de qualidade de vida. E tudo isso está ligado, como numa costura, como um crochê. Na verdade, é tanta coisa para resolver, que o que é preciso mesmo é uma profunda justiça social. Para alcançar isso tudo, será necessário muita luta e coragem.”

Participantes destacam aprendizados e trocas
Os dois dias de atividades presenciais da formação continuada em economia solidária deixaram marcas de aprendizado, troca de saberes e fortalecimento coletivo entre os participantes. Representantes de diferentes iniciativas compartilharam como irão levar para suas comunidades os conhecimentos adquiridos.

Para Jocelaine Santos da Silva, da Associação de Economia Solidária, Cultura e Educação da Cascata, a experiência foi de absorção e semeadura: “Eu vou levar para a minha comunidade muito conhecimento. Como eu digo, eu sou uma esponja que estou aqui para absorver tudo e levar para a minha comunidade como uma pequena semente que eu vou plantar lá, do aprendizado que estou tirando daqui.”

No mesmo sentido, Edina Daiane Germany, do Projeto das Marias, do Humaitá, ressaltou a importância da prática cotidiana: “O conhecimento que a gente está tendo aqui dentro vou levar e incorporar nessa atividade no dia a dia. E isso aí, é muito importante.”

O artista Juarez da Silva, de Novo Hamburgo, destacou o papel do Camp no fortalecimento da luta contra o capital: “Participar dessas discussões, se aprimorar da linguagem, das técnicas, do debate, para poder fazer o enfrentamento contra esse processo cruel do capital. E o Camp faz isso com grande maestria, sempre o fez, e é sempre um prazer estar nesses eventos com eles.”

Para Denise Oliveira, do Fórum de Mulheres Negras na Economia Popular e Solidária, o grande valor da formação foi a possibilidade de aprendizado em conjunto: “No coletivo a gente consegue trocar saberes. A gente tem um grande aprendizado, a gente tem crescimento pessoal, e porque todos nós estamos em busca de um mundo novo, né? E esse mundo possível. Mas esse mundo só vai ser concretizado, realmente, se nós tivermos educação popular. Se nós conseguirmos fazer com que as pessoas compreendam e tenham conscientização de que esse mundo melhor realmente será possível.”

Já Eliane Almeida, do Instituto Apakani, destacou a potência de saberes no encontro. “E agora estar aqui com vocês também, podendo contribuir um pouquinho, né, sobre a nossa incubadora das PICs e das PANCs, é uma honra. Hoje fizemos uma rápida visita, uma rápida imersão sobre as PANCs, onde conhecemos um pouco mais da capuchinha, como que pode ser consumida. Também falamos do morrião, falamos do alecrim, de coisas boas. Mas estar aqui nesses dois dias é muita potência. Levo muito aprendizado, muita troca e muita gratidão.” No último dia de formação, Almeida realizou uma aula de PICs e PANCs como exercício do grupo.

O último dia presencial foi encerrado por uma dinâmica simbólica: cada participante escreveu o nome de uma criança, em um gesto de reflexão sobre o futuro e sobre o mundo que está sendo construído para as próximas gerações. O encerramento também contou com um momento cultural, embalado pela música de Zé Martins, integrante do grupo Unamérica.

Com previsão de encerramento em maio de 2026, o curso está estruturado em quatro etapas complementares: Módulos Presenciais, voltados à troca de experiências; Encontros Virtuais, dedicados ao aprofundamento teórico; Atividades de Diagnóstico nas Comunidades e Territórios, com foco em estudos práticos; e Atividades Coletivas, que integram a dimensão da práxis e da construção conjunta do conhecimento.

Editado por: Katia Marko

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