CAMP, 40 anos – como plantar sonhos

Selvino Heck 

Os sonhos foram plantados. Os sonhos continuam sendo plantados em 2023, quando, em 27 de março de 2023, o CAMP completa seus 40 anos” – Reprodução Facebook CAMP

27 de março de 1983. Depois de mais de dois anos de tentativas, mil reuniões, Oposições Sindicais por todo Rio Grande do Sul, Oeste de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná, ocupações urbanas e rurais, greves, trabalho comunitário nas periferias, pastorais sociais a mil, terminada a eleição para a nova direção dos metalúrgicos de Porto Alegre, perdida pela Oposição Sindical, surgiu a oportunidade e possibilidade de criar uma ONG para ajudar a articular as lutas e mobilizações daqueles tempos, ainda em meio à ditadura militar. Foi criado o CAMP – Centro de Assessoria ao Movimento Popular, estratégica e publicamente denominado Centro de Assessoria Multiprofissional, que, em 27 de março de 2023, completa seus 40 anos bem vividos, sempre na boa luta e na educação popular de Paulo Freire.

Em março de 2023, é importante revisitar 1983, através de depoimentos de vários de seus/suas fundadores/as, dados em 1998, e publicados na Revista dos 15 anos do CAMP.

Nas palavras de João Pedro Stédile, do MST: “CAMP AJUDA NA ARTICULAÇÃO DOS MOVIMENTOS. O nascimento do CAMP foi dentro dessa visão, de ser um espaço, um serviço de apoio ao processo de reorganização social dos trabalhadores, que estava ocorrendo nas periferias, nas fábricas e no meio rural. E ao mesmo tempo servir de referência aos militantes de origem universitária, ou que tinham outros meios de sobrevivência, mas queriam fazer uma militância voluntária. Quando fundamos o MST, em Porto Alegre, por um certo tempo o espaço do CAMP serviu como uma secretaria do Movimento, que não existia como um movimento nacional. O CAMP era consciente do seu papel de articulador, estimulador da organização dos próprios trabalhadores, e, portanto, sem a pretensão de substituí-los, mas de fortalecê-los.”

Depoimento de Jairo Carneiro, metalúrgico, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre e da CUT/RS: “REDISCUTINDO O MUNDO DO TRABALHO. Falar hoje da história do movimento sindical nos últimos anos no Rio Grande do Sul e não falar do CAMP é no mínimo estar fora de um movimento que foi sendo construído com a participação de todos. Contar com essa entidade foi fundamental na conjuntura em que se viveu. Viajei muito com o João Pedro Stédile pelo interior do Estado. Ele, funcionário da Secretaria da Agricultura e eu pelo movimento sindical, organizando o movimento, a CUT. E quem organizou um método para articular a oposição, cidade por cidade, foi a Conceição Paludo, Cuti, assessora do CAMP, que ajudou muito nisso. Acho que a formação foi fundamental. Isso permanece até hoje. Não basta só ação sindical e organização dos trabalhadores. O CAMP talvez seja a entidade que mais se preocupou em fazer formação. Por exemplo, precisávamos de material sobre análise de conjuntura e era só chamar alguém do CAMP para ajudar.”

Conceição Paludo, Cuti, educadora, assessora, coordenadora do CAMP de 1991 a 1996, em depoimento: “Iniciei no CAMP em 1985 como voluntária, trabalhando com educação popular. Na época, um dos pontos das discussões era a metodologia da educação popular. O trabalho tinha uma natureza política, organizativa e educativa. Este foi um período em que a ação do CAMP esteve volta para a construção dos movimentos populares. Trabalhamos com as Oposições Sindicais urbanas e rurais visando a construção da Central Única dos Trabalhadores (CUT), contribuímos com a construção do MST, trabalhamos com a ANAMPOS (Articulação dos Movimentos Populares e Sindicais), e construção da CMP, Central de Movimentos Populares, com o Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), com o Movimento de Moradia. Enfim, a atuação era volta para a construção dessas organizações populares, pensando as classes populares como sujeitos da sua história. Acompanhando as mudanças conjunturais, em 1985, por exemplo, atuamos no processo da Constituinte. Igualmente, tivemos incidência na articulação dos chamados Centros de Educação Popular (hoje ONGs) que atualmente constituem o Fórum Sul de ONGs/ABONG.”

Depoimento de Olívio Dutra em 1998, eleito governador do Rio Grande do Sul: “GOVERNO E MOVIMENTOS SOCIAIS BUSCAM UMA NOVA RELAÇÃO. Tive a honra de ter sido consultado e ouvido eventualmente para a construção do CAMP, como militante, dentro desse processo de lutas que vinha da década de 70 e se intensificava no início da década de 80. O próprio Partido dos Trabalhadores contratou as assessorias de formação do CAMP a pedido do movimento sindical. Eram feitas análises de conjuntura, com levantamento de dados e se falava também na memória das lutas sociais.”

Depoimento de Paulo Paim, então deputado federal, hoje senador: “O CAMP contribuiu muito com a minha formação. Foi lá nos anos 84/85, que recebi os primeiros conhecimentos teóricos de política, economia e conjuntura internacional, logo no início de minha caminhada no Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas. Toda semana o Ricardo Franzói, o Laerte Meliga, o José Pinto, o Selvino Heck, o Márcio Pochmann, entre outros, se reuniam comigo para aulas. Lembro bem que numa ocasião me convidaram para uma palestra na Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (FIERGS). Fui preparado pelos companheiros do CAMP. Recebi aplausos e elogios. Depois, num outro momento, fiz palestras em países da Europa. Lá fui eu de dossiê preparado pelo CAMP. Assim fui galgando meus primeiros degraus na vida pública, com a colaboração do CAMP. Mas há um destaque especial para o trabalho que o CAMP realiza: a autonomia e independência de quem está recebendo a formação. No início, eu tinha mais carisma do que conhecimento, e a atuação do CAMP foi riquíssima.”

Diz a Revista dos 15 anos do CAMP, em “1978/1982, COMO PLANTAR SONHOS”: “Pois foi lá pelos idos de 1978, enquanto o General Figueiredo tentava domar a nação como fazia com seus cavalos, que o Centro de Assessoria Multiprofissional, CAMP, foi sendo gestado. A receita? Bastou colocar no mesmo ambiente alguns conhecidos que participavam dos movimentos populares e da Articulação nacional dos Movimentos Populares e Sindical (ANAMPOS), como Selvino Heck, Olívio Dutra e Jairo Carneiro; acrescentar militantes das oposições sindicais que participavam do chamado novo sindicalismo em oposição às direções nomeadas, como Francisco Teixeira, Miguel Rossetto, Ricardo Franzói e Natalício Correa; colocar mais um pouquinho de religião, através dos grupos ligados à Teologia da Libertação nas Pastorais Operária e da Juventude, sem esquecer, é claro, o trabalho das CEBs, realizados por pessoas como a Irmã Maria Giacomell e do próprio Selvino Heck, e incluir alguns estudantes, como Domingos Armani, Laerte Meliga e Guaracy Cunha. Para finalizar, um toque do campo: a luta pela terra e contra as barragens, que contou desde o começo com a presença de João Pedro Stédile. O segredo foi misturar todos esses sonhos por uma sociedade mais justa. O resultado foi demorado, pois este era um projeto aglutinador de longa duração para apoiar as lutas populares no Rio Grande do Sul, como ocorreu no ano de 1979 durante a ocupação das fazendas Macali e Brilhante e a reorganização dos sindicatos urbanos, que culminarem em greves da construção civil, dos vestuários e dos bancários para contar apenas as da capital. Quatro anos depois, em março de 1983, em Porto Alegre, era realizada a primeira Assembleia do CAMP, pensado para ser um Centro de Educação popular voltado para o campo e a cidade.”

Os sonhos foram plantados. Os sonhos continuam sendo plantados em 2023, quando, em 27 de março de 2023, o CAMP, Centro de Assessoria ao Movimento Popular, ou Centro de Assessoria Multiprofissional, completa seus 40 anos de boa luta e ESPERANÇAR.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko

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