Dom Ivo, Irmã Lourdes e a economia solidária: Esperança

Por Selvino Heck 

O Legado de uma Utopia chamada Esperança é o título do Caderno lançado dia 2 de abril de 2022, no Feirão Colonial de Santa Maria, quando a Irmã Lourdes Dill recebeu a Medalha do Mérito Farroupilha da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e aconteceu sua despedida oficial e pública de Santa Maria e do Rio Grande do Sul. Vai, inesperadamente transferida, para o município Barra do Corda, Sul do Maranhão.

Sob e com as bênçãos de Dom Ivo foi criado o Banco da Esperança em 1977, o Projeto Esperança/Cooesperança em 1987, há 35 anos, e o Feirão Colonial em 2 de abril de 1992, há 30 anos – Foto: Feicoop

Foi um dia de festa de muitas alegrias, choros, como toda despedida, e muitas lembranças boas. De lembrar, por exemplo, o Profeta da Esperança, Dom Ivo Lorscheiter, que disse em 21 de abril de 2005: “Eu desejaria, olhando o futuro, que a nossa região de Santa Maria, que é relativamente pobre, fosse mais intensamente ajudada com atitudes de esperança. Nós não queremos ver pessoas desanimadas, não queremos iludir ninguém, não queremos criar falsas expectativas, mas a esperança verdadeira.” Sob e com as bênçãos de Dom Ivo foi criado o Banco da Esperança em 1977, o Projeto Esperança/Cooesperança em 1987, há 35 anos, e o Feirão Colonial em 2 de abril de 1992, há 30 anos.

O braço direito de Dom Ivo nesta caminhada foi a Irmã Lourdes Dill, junto com muitas parceiras e parceiros, especialmente os feirantes do Feirão Colonial e da FEICOOP, ONGs, Pastorais, todas e todos construtores da esperança ao longo destas décadas. Escreve o deputado Valdeci Oliveira, santamariense hoje presidente da Assembleia Legislativa gaúcha: “Nessa caminhada toda não há como não registrar o papel central do ´Gigante da Esperança´, o nosso saudoso Dom Ivo Lorscheiter, que plantou com muito vigor e esmero as sementes da economia solidária em nossa cidade e em nossa região. Sementes essas que tiveram firme continuidade por outra gigante, a ´Gigante da Solidariedade´, a Irmã Lourdes Dill. E esses dois gigantes, de carne e osso, sempre procuraram estar rodeados de pessoas imbuídas do mesmo compromisso social e cidadão.”

O Banco da Esperança foi criado em 20 de dezembro de 1977 e, ao longo desses 44 anos, atendeu milhares de pessoas e famílias pobres, desempregados e famintos. Também prestou atendimentos à saúde. Através da PACTO, Pastoral de Auxílio Comunitário ao Toxicômano, Amor Exigente, ajuda na recuperação de dependentes químicos. Na emergência social foram atendidas muitas pessoas pobres e desempregadas, com palavras de apoio, alimentação e agasalhos.

O Feirão Colonial, com 30 anos, criado em 2 de abril de 1992, e que funciona nos sábados de manhã, igualmente tem uma trajetória construída a muitas mãos. Os grupos participantes são oriundos da região central da Arquidiocese de Santa Maria e entorno. Viabiliza a comercialização de produtos saudáveis, ´Comida de Verdade´, gerando trabalho e renda, e inclusão social para os trabalhadores do campo e da cidade, através de diferentes formas de organização. Soma-se a todo trabalho de soberania e segurança alimentar na produção, consumo, comercialização e distribuição dos alimentos, e o cuidado com a vida e saúde. O Feirão Colonial faz parte das atividades do Projeto Esperança/Cooesperança. Sua gestão é feita de forma colegiada, participativa, interativa e autogestionária. A comercialização dá-se de forma direta, entre o produtor organizado e o consumidor consciente. Realiza-se a venda direta do produtor ao consumidor, eliminando assim o atravessador, e fortalecendo o Desenvolvimento Regional, Solidário, Sustentável e Territorial, com a prática do Comércio Justo, Consumo Ético e Solidário, entre produtores e consumidores organizados e conscientes. É um espaço importante para o debate, a troca de ideias e de experiências bem-sucedidas em nível urbano e rural.

A FEICOOP, Feira Internacional do Cooperativismo e da Economia Solidária, é um grande e importante evento de Santa Maria para o mundo. Inspirada na metodologia do Fórum Social Mundial (FSM), tornou-se ao longo do tempo e da história ´uma Experiência Aprendente e Ensinante´, com a participação de Empreendimentos Solidários do Rio Grande do Sul, do Brasil e da América Latina. Na FEICOOP, comercializam-se produtos, mas a FEICOOP organiza espaços formativos com Seminários, oficinas, intercâmbios e momentos de formação. É uma verdadeira escola na construção do conhecimento, partilha de experiências e interação com políticas públicas.

Na proposta de ´Experiência Aprendente e Ensinante´ da FEICOOP, assumem-se os seguintes princípios de compromisso e posicionamento, que são também os de uma Economia Solidária: Compromisso com a defesa da democracia, dos direitos humanos e direitos da natureza; compromisso com o enfrentamento ao autoritarismo, fascismo e suas práticas; posicionamento crítico à economia que mata o apoio a outra economia que gera vida; postura de reconhecimento e valorização dos saberes populares; firme posicionamento contra as violências e o racismo estrutural; postura de reconhecimento e apoio às lutas sociais e populares.

Neste contexto e integrado a todas as outras iniciativas, acontece o Projeto Panela do Bem, que visa beneficiar a população em situação de rua, catadores de materiais recicláveis e as comunidades em situação de vulnerabilidade social. Os catadores são os grandes Profetas da Ecologia que ´reciclam vidas, consciências e utopias´.

O projeto Esperança/Cooesperança apoia, junto com as Dioceses de Santa Maria, Santa Cruz do Sul, Cachoeira do Sul, Santo Ângelo e Cruz Alta, a CPT, Comissão Pastoral da Terra, a Cáritas Brasil e RS, os Seminários de Alternativas à cultura do Fumo desde 1990. O próximo Seminário será dia 17 de maio no território Caaró, município de Caibaté, Diocese de Santo Ângelo.

Escreve a Irmã Lourdes no seu texto no Caderno O Legado de uma Utopia chamada Esperança: “Inspiro-me muito no Profeta da Esperança e de Solidariedade, Dom Ivo, e destaco a frase de Dom Hélder Câmara, quando assim falou: ‘Se dou comida aos pobres, me chamam de Santo. Se pergunto por que o pobre tem fome me chamam de Comunista.’ O pobre tem muitas fomes, especialmente de justiça e ter seus direitos de dignidade, trabalho e cidadania. O pobre precisa sentir-se gente e amado por Deus e seus irmãos.”

Que assim seja. A força e o vigor das experiências têm feito com que muitas e muitos, e cada vez mais, se agreguem ao conceito, às ações das Feiras de Economia Solidária, para fortalecer um modelo econômico e solidário que veio, como diz o Papa Francisco, na Economia de Clara e Francisco, ´realmar as Economias do mundo´.

Que assim continue sendo. ESPERANÇAR. Longa vida e bom trabalho solidário, Irmã Lourdes, em Barra do Corda, Maranhão. Como diz a canção ´Correntes de Vida´, entoada, em meio a muitas lágrimas e alegria no dia da homenagem e despedida, 2 de abril de 2022: “Sempre na luta em vou./ Sempre da luta eu sou,/ para crescer.”

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

3 + 5 =