Movimentos sociais propõem frente de trabalho para atuação na emergência climática do RS

Proposta que será levada ao ministro Pimenta prevê remuneração a atingidos que atuam nos trabalhos de reconstrução do RS

Marcelo Ferreira
Fonte: Brasil de Fato | Porto Alegre | 23 de maio de 2024 às 19:48

Em Arroio do Meio, cidade fortemente afetada pelas enchentes, movimentos sociais são responsáveis por cozinhas solidárias para atender a população atingida – Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

emergência climática no Rio Grande do Sul traz muitos desafios de curto, médio e longo prazo. Entre eles está a continuidade de iniciativas que até agora contam com o trabalho voluntário da sociedade civil, como cozinhas solidárias, gestão de abrigos e donativos, limpeza e recuperação de locais atingidos e identificação de comunidades vulneráveis. Para dar conta disso de forma organizada e sustentável, movimentos sociais propõem a criação do Programa de Frentes de Trabalho para a Emergência Climática do RS.

O projeto será apresentado ao ministro Paulo Pimenta, que está à frente da Secretaria Extraordinária para Apoio à Reconstrução do RS. Prevê a contratação de 30 mil agentes de cidadania solidária nas cidades atingidas pela calamidade ambiental, com jornada de trabalho social de 20 horas semanais, remuneradas com recursos do Ministério de Trabalho e Emprego (MTE) através de termos de fomento com Organizações da Sociedade Civil (OSC) que atuam na área de trabalho, emprego e renda e de qualificação profissional.

Sandra Christ, da direção estadual do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores Por Direitos (MTD), afirma que os movimentos populares vivenciam junto do povo “todo o sofrimento que está sendo essa catástrofe climática, a perda das casas, dos bens e utensílios, do espaço de vida, do bairro, da comunidade, do trabalho e meios de produção, das memórias e afetos de uma vida inteira”. Destaca que o atual modelo das cidades “não coloca a natureza e muito menos o ser humano como sujeito de direitos” e impede a participação da população “na definição de como queremos que seja a organização da vida na sociedade”.

Para ela, o trabalho emergencial durante a catástrofe deve envolver as pessoas, “de forma coletiva e participativa”, para que a população possa opinar sobre a melhor forma de reconstruir as cidades. Lembra que “há muitíssimo trabalho a ser feito e já sendo feito pelos movimentos organizados e por milhares de voluntários”. Mas ressalta a necessidade de condições e amparo financeiro para a continuidade. “É preciso suporte governamental para a reconstrução, onde é necessário a manutenção da renda das pessoas para as atividades emergenciais”, afirma.

No mesmo sentido, a economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Lúcia Garcia destaca que o trabalho voluntário gera um problema “em relação à sustentação e à manutenção da renda de um grupo bastante vasto de pessoas, de sustentáculos da vida social”. Também defende que há uma inegável necessidade de trabalho e, ao mesmo tempo, uma população carente de atendimento.

“Em várias localidades do Rio Grande do Sul nós precisamos ainda do desenvolvimento de atividades em relação às primeiras necessidades daqueles que foram atingidos, e também nos trabalhos que vão se seguir logo à frente, de limpeza, de reorganização de espaços comunitários, de domicílios, de estabelecimentos comerciais e pequenos negócios e até de prédios públicos que hoje não têm condições de funcionalidade.”

Visa também garantir a continuidade dos trabalhos, que não se sustentam com trabalho voluntário por muito tempo. “A proposta surge justamente no momento em que o voluntariado se esvanece, e esse esvanecimento é natural, e precisa ser ocupado por aqueles que estão no dia a dia das populações e das comunidades”, justifica Lúcia, que integra o Conselho Diretor do Centro de Assessoria Multiprofissional (CAMP).

Cozinha do Movimento dos Atingidos por Barragens em Arroio do Meio / Foto: Divulgação MAB

A iniciativa é embasada no Programa Estadual das Frentes Emergenciais de Trabalho (Lei 11.628/2001). O valor necessário de investimentos para o projeto sair do papel é de R$ 42 milhões, por três meses, somando um total de R$ 126 milhões. Este valor representa somente 0,25% dos 50 bilhões prometidos pelo governo federal ao RS.

Pode acessar o programa todas as pessoas atingidas pela calamidade ambiental e que tenham tido interrompidas, total ou parcialmente, suas condições de renda para sobrevivência, conforme a legislação. Quem aderir terá direito a salário mínimo regional, cesta básica, equipamentos de proteção individual, apoio técnico e cursos de capacitação e qualificação profissional.

“A frente do trabalho traz proteção para quem está envolvido nas tarefas absolutamente residenciais, dá sustentação da renda para essas pessoas e ainda anima a economia local, cumprindo um arco, uma função extremamente orgânica e essencial para que a gente possa seguir a uma fase de reconstrução logo adiante”, complementa, e apela à sensibilização da Secretaria Extraordinária para Apoio à Reconstrução do RS.

Cozinha Solidária da Juventude, na vila Barracão, em Porto Alegre, inicia às sete da manhã e só encerra às oito da noite / Foto: Rafa Dotti

Retomando iniciativa de sucesso

Frentes de trabalho não são algo novo no Brasil, a exemplo da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), criada em 1959. A regulamentação no formato atual, porém, ocorreu na década de 1990 no país e, no Rio Grande do Sul, em 2001, na gestão do então governador Olívio Dutra (PT). “Essa nova leva de iniciativas das frentes de trabalho, que alcançam até o período atual, têm como característica um tripé, que é a geração ou sustentação de uma ocupação, o fato de proporcionarem renda para a população envolvida e ainda trazerem alguma preocupação com a reinserção futura das pessoas que participam do programa”, explica Lúcia.

Sandra Christ integrou a iniciativa durante o governo Olívio. “Naquele período havia uma enorme quantidade de pessoas desempregadas e no ano 2001 tivemos a oportunidade de, enquanto MTD, contribuir na implementação e coordenação das Frentes Estaduais”, recorda.

Ela conta que o programa era dividido em duas fases. Primeiro grupos de em média 20 desempregados eram contratados por seis meses, através de entidades que representavam os movimentos envolvidos, e recebiam salário mínimo, capacitação e equipamentos necessários. Num segundo momento, recebiam formação para a continuidade do trabalho cooperado e suporte para iniciar empreendimentos autogestionados, incentivados sempre a produzirem bens de consumo necessários à sua comunidade, dentro dos princípios da economia solidária.

“Essa foi uma experiência muito potente pela qual passaram milhares de trabalhadoras e trabalhadores gaúchos, sendo que muitos dos grupos formados na época permanecem até hoje”, afirma.

Para Sandra, “é urgente uma contratação como esta, com milhares de pessoas que precisam reconstruir a si, suas famílias e comunidades, e precisa ter recurso para todos”. Ela mantém a esperança de que a proposta será acolhida pelo governo federal, “para que possa iniciar o mais breve possível, pela urgência e importância que significa ao povo das periferias atingidas e outros setores terem um mínimo de alento diante da gigantesca tarefa colocada”.

Movimentos sociais produzem cerca de 500 marmitas por dia para atingidos pelas enchentes em Canoas / Foto: Amélia Gomes/Jornalista do MAB

Principais ações da proposta

Programa de Frentes de Trabalho para a Emergência Climática do RS está estruturado a partir das seguintes ações:

– Estruturar as cozinhas solidárias nos bairros, em espaços comunitários, de curto ao médio prazo, com organização das escalas e turnos de trabalho com remuneração para as pessoas envolvidas diretamente nas tarefas de produção, preparação e distribuição da alimentação desde o café da manha até o jantar, assim como, todas as tarefas de logística, organização dos estoques de alimentos e limpeza exigidas nessa frente de trabalho.

– Atuar nas tarefas de organização e distribuição das doações, limpeza dos espaços, ciranda infantil nos espaços de abrigamento das pessoas desalojadas;

– Limpeza das casas, das ruas e dos espaços comuns dos bairros, com a separação de materiais com alguma possibilidade de aproveitamento e os descartes corretos dos entulhos;

– Atuação em obras civis básicas de recuperação dos equipamentos públicos nos bairros, sobretudo de saúde como as UBS, UPAS, hospitais, dos equipamentos que atendem as crianças e aos jovens como as creches e as escolas de diferentes níveis, os que atendem idosos e doentes como os abrigos e as casas de acolhimento e os equipamentos de atendimento às mulheres vitimas de violências;

– Atuação nos trabalhos de limpeza e restaurações das estruturas dos empreendimentos de economia solidária, dos pequenos negócios da economia popular e dos empreendimentos familiares nos bairros populares;

– Atuar no mapeamento, averiguação e encaminhamentos de problemas relacionados à população animal.

Edição: Katia Marko

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