Finanças Solidárias: autonomia e fortalecimento da organização popular a partir da gestão de recursos

Para iniciar esta conversa sobre Finanças Solidárias é importante nos perguntar: será que é possível termos instrumentos financeiros que permitam uma democratização das relações econômicas e que tenham ações pautadas pela ética e solidariedade?

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O sistema financeiro, na perspectiva capitalista é excludente e se transforma num poderoso instrumento de concentração e centralização do capital, onde ao mesmo tempo em que exclui grande parcela da sociedade, coloca a culpa nas próprias pessoas (a maioria mulheres, pobres e negras) pelo fato de não terem acesso e pelo seu fracasso. Em pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2011, 73,4% das pessoas que não têm acesso a uma conta bancária acreditam que não possuem condições financeiras necessárias e nem atrativas para os bancos.

Conforme percebe-se, se faz necessário, a construção de novos instrumentos e referenciais que permitam que as relações financeiras e econômicas ultrapassem os limites da concentração e da centralização do capital e incluam as pessoas, suas vidas e seus processos organizativos. É a partir da negação do atual sistema financeiro que são construídas as Finanças Solidárias, que tem como princípios a autogestão, condições dignas de trabalho, sustentabilidade, cooperação, desenvolvimento local sustentável, economia a serviço das pessoas, igualdade, solidariedade, diversidade, democracia, nova cultura política e transparência na gestão e processos organizativos. Não por coincidência, estes princípios são os mesmos da Economia Solidária.

Por Economia Solidária, se entende um Movimento Social que defende a transformação da sociedade e de suas relações. As pessoas que dela fazem parte a identificam como uma economia anticapitalista, não patriarcal e não racista, pois parte da organização diferenciada do trabalho e de suas as relações, se constituindo como um modo de vida, uma opção.

As práticas de Finanças Solidárias, tem origem com as poupanças informais ou poupanças caseiras, construídas coletivamente por pessoas e grupos, devido ao não acesso aos Bancos Tradicionais. São práticas muito antigas e como exemplo temos: os quilombos que lutavam por autonomia e libertação, fazendo a gestão de seus recursos de forma solidária e coletiva; em 1820 foi construído e existe até hoje na Bahia a Irmandade da Boa Morte que organizada por mulheres negras tinha como objetivo inicial a compra de alforria, a realização de festejos, obrigações religiosas, pagamento de missas, caridade, vestuário e a concessão de um funeral decente; a junção de dinheiro entre escravos/as para a compra de suas liberdades; a junção de dinheiro por negros/as para a compra de terras; as ligas camponesas que possuíam a associação da boa morte, de modo a garantir recursos para poder enterrar seus mortos durante a ditadura civil militar do Brasil; no ABC Paulista, havia o fundo de greve que garantia a paralisação das atividades metalúrgicas quando necessário para conquistar ou ampliar direitos.

No entanto, embora as práticas sejam antigas, a política para as Finanças Solidárias foi considerada apenas no Plano Plurianual de 2004-2007.
No Brasil, temos três principais instrumentos das Finanças Solidárias que são as Cooperativas de Crédito Solidário, os Bancos Comunitários de Desenvolvimento e os Fundos Solidários.

Uma Cooperativa de Crédito Solidário, é uma instituição financeira, formada por uma associação autônoma de pessoas unidas voluntariamente e que formam uma sociedade cooperativa. Em poucas palavras, poderia se dizer que as cooperativas são sociedades de pessoas que se unem e decidem formar uma poupança em comum e recorrer a ela quando for necessário. Tem forma e natureza jurídica próprias, sendo constituída para prestar serviços a seus/suas associados/as. É a única prática de finanças solidárias que é regulamentada pelo Banco Central. Atualmente há 386 cooperativas de crédito solidário no Brasil, vinculados aos sistemas Cresol Central, Cresol Sicoper, Cresol Central Baser, ASCOOB Central e Crenhor.

Os Bancos Comunitários são serviços financeiros solidários, em rede, de natureza associativa e comunitária. São voltados para a geração de trabalho e renda na perspectiva de reorganização das economias locais. Seu objetivo é promover o desenvolvimento de territórios de baixa renda, através do fomento à criação de redes locais de produção e consumo. No Brasil existem 117 bancos com esta forma organizativa. Em 2015 foi lançado o Banco Nacional das Comunidades. Na região sul, há duas experiências desta natureza sendo gestadas em dois bairros de Porto Alegre/RS.

Já os Fundos Solidários, se apresentam como a experiência mais diversa das Finanças Solidárias. Foram identificados entre 2010 e 2012 mais de mil em todo o Brasil. Na região sul, há 49 experiências que são divididas, segundo a forma de gestão, entre Fundos Solidários de Fomento e Fundos Rotativos Solidários. Conceitualmente, estas experiências incluem a gestão (cuidado, administração) coletiva de recursos monetários e não monetários que unem, além do financiamento, as iniciativas produtivas associativas e as ações de formação e organização popular, funcionando como processos político-pedagógicos de emancipação e organização comunitária. Em outras palavras, poderia se dizer, que estas experiências são “poupanças” comunitárias informais geridas coletivamente para fortalecer as atividades econômicas exercidas por seus participantes. Pode ser formada por meio de doação voluntária de recursos de cada membro participante ou a partir de recursos externos.

O que fica evidente em todas estas experiências é que elas envolvem práticas de solidariedade e autogestão coletiva de recursos, onde as pessoas praticam ações para além do indivíduo, mas também pensam no/a outro/a de forma organizada, horizontal e transparente. O grande desafio colocado é, através da articulação em rede, fortalecer estas experiências, de forma a consolidar um grande movimento das finanças solidárias no Brasil.

Iniciamos nos perguntando, e agora queremos afirmar que é possível termos instrumentos financeiros que permitam uma democratização das relações econômicas e que tenham ações pautadas pela ética e solidariedade. E estas ações são vivenciadas nas Cooperativas de Crédito Solidário, nos Bancos Comunitários de Desenvolvimento e nos Fundos Solidários, que através da Economia Solidária são alternativas viáveis e já praticadas por uma grande parcela do povo brasileiro.

Centro de Assessoria Multiprofissional – CAMP
Equipe Fundos Solidários da Região Sul:
Beatriz Gonçalves Pereira
Elisiane de Fátima Jahn
Helena Bins Elly
William Leffeu

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