Seja como for, nossa luta continua!

Há quem esteja anunciando o fim das esquerdas brasileiras por conta da crise econômica, das denúncias de corrupção e, principalmente, do cerco midiático contra o Governo Dilma e o PT. Este contexto adverso tem mexido com a confiança de centenas de militantes sociais, em especial, aqueles que iniciaram sua trajetória política pós vitórias do PT nas eleições. Uma militância que ainda não tinha vivido períodos agudos de luta de classes. Até aí um sentimento normal. O estranho é que alguns militantes históricos também estão embarcando na onda do fim das esquerdas e, talvez por isso, tentando se diferenciar dos partidos de esquerda, alguns até protagonizando entrevistas na mídia burguesa fazendo coro à campanha de difamação de lideranças históricas do campo democrático e popular. Nestes momentos de aparente crise de identidade é preciso ter cuidado e saber bem de que lado se está. Recentemente Marina Silva confundiu diferenças políticas com diferenças ideológicas e perdeu um raro capital político para o azar de um Brasil mais democrático.

Mas será mesmo que o ciclo iniciado nas greves e mobilizações do final dos anos 70 e que produziu a era chamada de Nova República chegou ao fim? A onde de mais de trinta anos de conquistas sociais estaria encerrada?

Tenho certeza que não. Apesar do cerco midiático e da possibilidade real de um golpe antidemocrático contra uma presidenta legitimamente eleita, não creio que estamos no limiar do processo iniciado por nossas gerações e que tem feito história no Brasil e no mundo. Nem mesmo tenho a sensação de que perdemos um tempo histórico deixando de promover grandes transformações. Isso não quer dizer que não enxergo os erros e equívocos de certas escolhas feitas pelos governos, pelos partidos e, como não dizer, pelos próprios movimentos sociais. Mas, apesar dos erros, não é correto imaginar que tudo está perdido, jogar a toalha e abandonar a luta.

Eu sei que é difícil lutar por décadas por uma nova sociedade, ter propostas e bandeiras claras de transformação social e estar permanentemente lutando para manter um mínimo de direitos. Mas não sou daqueles que criticam todas as atuais ações do governo federal. Pelo contrário, acho que em algumas áreas, a Presidenta está sendo mais ousada que o próprio ex-Presidente Lula. Por exemplo, Dilma enfrentou o tema previdenciário, luta histórica dos movimentos sindicais desde a era FHC e que Lula, embora com maior poder de fogo, não conseguir fazer. Ainda na primeira gestão, a Presidenta enquadrou os bancos privados ampliando os valores referente ao deposito compulsório impactando o lucro dos principais bancos em mais de 25% e ampliando a capacidade de investimento do BNDES.

As opções da Presidenta podem e devem ser questionadas. Por exemplo, segue o modelo desenvolvimentista em aliança com setores da burguesia nacional que o próprio PT inaugurou. Mas a comparação com os oito anos do Governo Lula são injustas, porque agora os tempos são outros. Lula criou políticas capazes de tirar o Brasil da crise num cenário onde o governo federal tinha gordura no orçamento para investir. Dilma, tem a tarefa de manter as políticas de distribuição de renda num período em que os limites de despesas com recursos federais se esgotaram. A única saída para ampliar os direitos é mexendo nos privilégios das elites. E aí, só quebrando os pratos com a burguesia nacional. Findo o “pacto”, a luta de classes retornou ao centro da dinâmica política.

Mas, convenhamos, isso era previsível. Um apelo a memória de militantes mais antigos recupero o conceito de revolução permanente elaborado por Marx e Engels, mas popularizado por Leon Trotsky. Este conceito nos ensina que a luta por uma sociedade nova, radicalmente democrática e justa não termina com a conquista de governos numa sociedade capitalista. E, pelo que aprendemos com as experiências do socialismo real, não termina nem mesmo com a implantação de um sistema socialista. A nova sociedade é um processo em permanente construção e a luta contra as desigualdades e injustiças somente avança com a radicalização da democracia de classe e com o desmonte das estruturas de acumulação de riqueza e poder no capitalismo e no próprio socialismo.

Sobre isso, Trotsky dizia em seu embate com os bolcheviques no início do século passado, que a revolução russa não resolveria suas tarefas imediatas sem o acesso do proletariado ao poder. E que o proletariado, uma vez no poder, não poderia permanecer confinado dentro do modelo burguês, pelo contrário, teria que implementar transformações profundas nas relações econômicas, em especial, sobre a propriedade, a riqueza e o planejamento da economia.

Estas mudanças estruturais que fala Trotsky são justamente as bandeiras defendidas pelo campo democrático e popular quando reivindica a implementação das reformas agrária, da reforma urbana, da reforma política, da reforma tributária, da reforma do sistema judiciário e da democratização dos meios de comunicação. São estas mudanças a essência para alterar as relações de poder entre a classe trabalhadora e as elites brasileira. Por isso, retomo minha assertiva expressa em outros documentos e textos de que o que está faltando na conjuntura brasileira não é mais Governo e sim mais luta popular. Mas não é qualquer luta, reivindicativa, corporativa, por direitos sociais. É a luta popular em prol de uma nova ordem econômica, social, ambiental e democrática. Tenho dito e repito, me parece que no momento histórico o estratégico são os movimentos sociais e o tático é a ação institucional, num sentido de que o estratégico é aquela ação que acumula para a transformação pretendida e o tático aquela ação que fortalece o estratégico, mas não é essencial.

Neste sentido, embora tenhamos muitos motivos para fazer um balanço positivo dos Governos Lula e Dilma, o fato é que tanto um, quanto outro, não mexeram no modelo de acumulação capitalista brasileiro porque, no geral, não se construiu uma ampla luta popular com esta agenda. Muito se ouve de que este era o limite possível, dado a atual correlação de forças, nenhum governo de esquerda teria capacidade de enfrentamento dos interesses das grandes corporações econômicas. Talvez. Por isso, é que a opção de não organizar o povo brasileiro através de um amplo sistema de participação social e popular foi e é um grande erro. Somente a pressão popular, organizada, com intencionalidade política, com propostas e projetos concretos teria a capacidade de enfrentar o poder econômico.

Tenho pra mim que ainda é tempo. Enganam-se aqueles que pensam que a esquerda está derrotada. Até mesmo uma recente pesquisa do Ibope coloca o PT como principal sigla partidária. E o povo brasileiro já demonstrou que está disposto a se mobilizar por uma agenda que avance. Por isso, frente ao cerco midiático, o projeto em andamento só terá chance de se sustentará se forem criados verdadeiros canais de participação e mobilização social. Mais que isso, se os movimentos e organizações sociais colocarem no centro de suas agendas, não a conquista imediata, mas o projeto de uma nova sociedade. Seja como for, nossa luta continua porque a revolução é permanente.

Por: Mauri Cruz é advogado socioambiental, especialista em direitos humanos, professor de pós graduação em direito à cidade e Mobilidade urbana, diretor regional da AbongRS. 

Um comentário sobre “Seja como for, nossa luta continua!

  1. Só quero perguntar se posso reproduzir este texto – copiar / colar na rede social Facebook. Esclarecimentos entre nós, educadores, é necessário, e se isso é demanda, imagine-se à população de modo geral – não digo novidade alguma, claro! Aguardo.

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