Manifesto contra a maioridade penal

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 173) que visa à diminuição do limite etário da imputabilidade penal para certos delitos, de 18 para 16 anos, consiste em medida inconstitucional, perversa e inócua aos alegados propósitos de redução da criminalidade.

Com efeito, a infeliz proposição, antes de mais nada, contraria os princípios e normas constitucionais que protegem e asseguram os direitos e garantias individuais – dentre os quais avulta o preceito da proteção da criança e do adolescente, como sujeitos de direito em fase de formação da personalidade. Esta proteção constitucional constitui, inclusive, cláusula pétrea, insuscetível de alteração, e leva em conta, justamente, o desenvolvimento físico e psíquico ainda incompleto das pessoas jovens, ditas imaturas.

Isto não implica qualquer forma de impunidade: muito ao contrário, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê sistema próprio de responsabilização dos adolescentes em conflito com a lei. Inimputabilidade não significa irresponsabilidade penal – mas, isto sim, e o que é diferente, a impossibilidade jurídica de submeter menores de 18 anos ao sistema punitivo próprio de adultos. Esta submissão, possível em caso de aprovação da PEC n.º 173, além da perversidade ínsita ao convívio de adolescentes com as gangues que dominam as cadeias e penitenciárias brasileiras, acarretará consequências sociais desastrosas – dentre as quais, é fácil prever, o recrutamento de mão de obra fácil e disponível àquelas organizações criminosas.

Os baixos índices de reincidência dos jovens envolvidos com atos infracionais (malgrado as conhecidas mazelas do sistema penal juvenil), em comparação com o expressivo número de reincidentes adultos (estimado em mais de setenta por cento) – somado ao baixo número de adolescentes acusados de infrações graves – estão a demonstrar a completa irracionalidade da medida ora em tramitação na Câmara dos Deputados. Mais do que inócua, ela se revela absolutamente contraproducente aos seus propalados fins, na medida em que, com toda a certeza, servirá para incrementar os níveis de violência em nosso país.

Assim, é dever dos cidadãos e cidadãs comprometidos com a construção de uma sociedade justa e democrática, cerrar fileiras contra a aprovação de alteração legislativa que se configura, inequivocamente, como grave retrocesso dos patamares de civilização já alcançados no Brasil.

Carlos Frederico Barcellos Guazzelli, defensor público aposentado, ex-Defensor Público-Geral do Estado (1999-2002), coordenador da Comissão Estadual da Verdade-RS (2012-2014).

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