A cidadania educa o Brasil

Por Mauri Cruz – Nos processos educativos nunca se sabe direito quem está educando quem. Isto porque os processos de aprendizados são dialéticos. Há sempre uma troca de quem ensina com quem aprende. Por isso, ninguém educa ninguém e ninguém aprende nada sozinho. O processo de agregar conhecimento e sabedoria é sempre o resultado de trocas onde todos os lados envolvidos ganham.

Por isso, a Rede de Educação Cidadã – RECID talvez seja um dos maiores legados do Programa Fome Zero criado nos primeiros dias do Governo Lula. Para além de matar a fome de pão, era preciso matar a fome de educação e de organização. Por isso, nasceram os processos educativos através do Talher, oficina em espanhol, e que depois foi consolidado na RECID. Nestes 10 anos foram milhares de oficinas, seminários, encontros regionais e nacionais.

Nestes processos passaram quase um milhão de jovens de todas as regiões do país representando as lutas dos indígenas, dos quilombolas, dos desempregados, das mulheres, das pessoas que lutam pela liberdade sexual, por moradia, saúde, transporte e educação. Muitos destes jovens se tornaram lideranças dos segmentos sociais onde atuam e das comunidades onde vivem.

Mas não foram somente as lideranças sociais que aprenderam nestes dez anos. O Estado Brasileiro, seus representantes e dirigentes também vivenciaram um processo de aprendizado. Através da RECID ocorreram muitos momentos onde a liturgia da burocracia se curvou para a metodologia popular. Onde órgãos e dirigentes públicos, antes alheios as questões e valores populares, se abriram para que a expressão popular, suas roupas, seu modo de agir, de falar e de pensar fosse respeitado e compreendido.

O estado brasileiro sempre foi elitista e excludente. A ação pública sempre partiu da premissa de que para que alguns tivessem acesso as benesses dos recursos públicos outras pessoas precisariam ser alijados deles. Somente nos últimos anos é que as políticas públicas foram pensadas e planejadas para todos os brasileiros. Mas a questão não era somente trazer o povo para os valores da elite. Era preciso repensar os valores. Não era apenas uma questão de dar mais recursos financeiros para quem não tem. Mas era preciso pensar um novo modelo de sociedade.

Daí que estes 10 anos de RECID são apenas um começo. Iniciamos os primeiros passos desta jovem democracia. Há muito a se caminhar e a se construir. Esta experiência precisa ser repensada, renovada, ampliada. Deve continuar autônoma e nacional. Deve manter sua dimensão horizontal onde cada um e cada uma tenha a mesma oportunidade de participar e compartilhar. A RECID deve continuar sendo a parte da Sociedade mais próxima do Estado e a parte do Estado mais próxima da Sociedade.

Mauri Cruz é advogado socioambiental, especialistas em direitos humanos, dirigente nacional da ABONG – Associação Brasileira de ONGS e membro do Comitê de Apoio Local ao FSM.

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